Na semana da comemoração do Dia Nacional do Teste do Pezinho, profissionais da área de saúde do DF e de outras unidades da Federação se reuniram para atualização científica sobre a triagem neonatal com troca de informações sobre evidências nos casos de testagem e confirmação da ampliação dos exames do teste do pezinho. Foram compartilhadas práticas e condutas, profilaxias e vacinação recomendadas para cada uma das doenças detectadas. O evento foi organizado pelo serviço de referência em triagem do Hospital de Apoio, pela Secretaria de Saúde e pela Sociedade Brasileira de Pediatria.
O Hospital da Criança de Brasília (HCB) é referência nacional no tratamento de doenças raras, graves e complexas como doença falciforme, hipotireoidismo congênito, fibrose cística, síndrome de imunodeficiência combinada grave (SCID) e atrofia muscular espinhal (AME) e contribuiu com a apresentação do trabalhos científicos realizados na confirmação e nos tratamentos desenvolvidos em caráter multidisciplinar.
Desde quando foi descoberta a fenilcetonúria (PKU), no teste do pezinho, foram traçadas as primeiras ações que se consolidaram na triagem neonatal. A fenilcetonúria é uma doença relacionada a uma alteração genética que, se não identificada e tratada precocemente, pode levar a comprometimento neurológico, deficiência intelectual e convulsões. Contudo, os tratamentos se apresentam cada vez mais promissores.
“A coleta pode ser realizada até os 30 dias de vida do bebê, mas, o mais indicado é entre o terceiro e o sétimo dia de nascido. No DF, mais de 60 doenças são triadas e a coleta é realizada na maternidade. É crucial que seja diagnosticada o mais cedo possível”, diz o médico geneticista do HCB, Fabrício Maciel.
A médica hematopediatra e diretora técnica do Hospital da Criança, Isis Magalhães, apresentou vários estudos no campo da biologia molecular que mudaram o estado das doenças e dos casos difíceis identificados na testagem neonatal. Desde 2022 o HCB foi habilitado para o Transplante de Medula Óssea, com a parceria da Fundação Hemocentro.
“Até antes dos primeiros sintomas uma doença já pode ser detectada, como é a anemia falciforme, que é mais prevalente no Brasil. Antes, ela acarretava a morte precoce por infecções graves. Hoje, há um prognóstico melhor de sobrevida e a criança pode ser encaminhada ao HCB e acompanhada até os 18 anos”, explica.
“A anemia falciforme não é só uma anemia, ela é uma vasculopatia sistêmica que acarreta doenças nos vasos sanguíneos, em todos os órgãos. Antes as crianças faziam septicemia. Hoje, usamos de forma profilática a penicilina por via oral, que é fornecida pelo Estado. Às vezes, até no primeiro ou segundo mês de vida iniciamos esse tratamento, pois a criança sente dor óssea e pode fazer um acidente vascular cerebral (AVC) com consequências graves e levar até a morte”, complementa a médica.
Atenção integral
Desenvolveu-se no DF uma cooperação entre o laboratório da SES e o Hospital da Criança de Brasília para oferecer um Programa de Atenção Integral. Ao ser detectada com uma doença no laboratório da rede, a criança é referenciada para o HCB. Por exemplo, no caso de suspeita do hipotireoidismo congênito coleta-se o hormônio TSH (da tireoide) e, em 2 horas está pronto o diagnóstico.
“O Hospital da Criança de Brasília evoluiu muito. Foi implantado o estudo molecular das hemoglobinopatias (doenças das hemácias) assim, o que o laboratório descobre no teste do pezinho, às vezes tem um fenótipo complexo que é difícil desvendar, então é necessário a realização dos testes moleculares para o diagnóstico precoce. Nós conseguimos, mediante um edital de pesquisa junto ao Ministério da Saúde e à FAP-DF, montar no HCB os testes moleculares, o que foi uma grande evolução”, completa Isis Magalhães.
A pneumologia do HCB recebe os casos suspeitos e realiza os testes confirmatórios com cloridrômetro de última geração. Isis adiantou que, no HCB, atualmente, é possível dar os diagnósticos definitivos e as crianças são acompanhadas por equipes multidisciplinares. “Conseguimos prover o melhor que a ciência dispõe para as crianças atendidas pelo SUS”, assegura a médica pediatra.
Luciana Monte, pneumologista do HCB e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, ressalta que o Programa de Triagem Neonatal no DF é um exemplo no país. O HCB realiza a confirmação do diagnóstico, acompanhamento e tratamento da fibrose cística. Existem 150 pessoas no DF em acompanhamento, das quais aproximadamente 75 são crianças.
“Precisa haver uma busca ativa, o reteste e às vezes são muitos sintomas e as famílias não entendem que é caso de emergência. O hospital utiliza protocolos internacionais e assim conseguimos resultados excelentes de uma equipe multidisciplinar e com o apoio da gestão”, afirma Luciana.
“Realizamos um cuidado integral, acesso rápido articulado com a triagem neonatal do Hospital de Apoio de Brasília e o paciente é encaminhado rapidamente com cerca de um mês de vida. Com isso, podemos realizar toda a prevenção das complicações de uma doença que é grave, progressiva, potencialmente fatal. Com todo o acompanhamento que o hospital tem oferecido, essas pessoas têm vivido melhor, junto com toda a evolução tecnológica da ciência” complementa a pneumologista.
Hormônio da tireoide
Karine Santielle, coordenadora do ambulatório de endocrinologia do HCB apresentou um trabalho sobre o monitoramento do TSH (hormônio da tireoide) que aponta para o diagnóstico de uma doença conhecida como hipotireoidismo congênito, deficiência na produção dos hormônios. “O hormônio da tireoide é muito importante para o desenvolvimento cerebral do bebê”, enfatiza a médica.
Santielle lembrou que no Brasil as pesquisas voltam-se à dosagem do TSH alterado. “Quanto mais cedo eu consigo trazer esse bebê para um diagnóstico precoce e um tratamento, ele vai ter todos os benefícios e um risco menor de deficiência intelectual. A literatura recomenda um diagnóstico em 15 dias. Se fizer o acompanhamento de forma adequada, não haverá sequelas no desenvolvimento neurológico”, explica.
Thalles Antunes, alergologista, há um ano no ambulatório de erros inatos e imunologia do HCB, apresentou pesquisas desenvolvidas sobre a identificação de mais de 400 doenças herdadas da mãe e que nem sempre manifestam-se nos primeiros dias de vida e sim, no sexto até o nono mês de vida. Ao perder os anticorpos a criança pode iniciar infecções de repetição graves, quadros de febres e diarreias.
” O tratamento curativo é o transplante de medula óssea, e nós oferecemos o melhor serviço no hospital”
Thalles Antunes, alergologista
“Cada vez mais estamos nos preocupando com as doenças autoimunes que podem ser sim um sinal de manifestação de um erro inato da imunidade. Por isso, a importância de que os pais façam o teste de triagem neonatal para que, a partir daí, nós possamos fazer triagem dos casos, antes de essas crianças começarem a ter manifestação clínica. O tratamento curativo é o transplante de medula óssea, e nós oferecemos o melhor serviço no hospital”, afirma Thalles.
Janaína Monteiro, neurologista, que desde o início do HCB está à frente do ambulatório de atrofia muscular espinhal (AME), mostrou as evidências clínicas da doença que ocorre no sistema nervoso central. É um adoecimento no neurônio, na medula, que leva à atrofia muscular e provoca fraqueza na cintura, perda funcional rápida grave e até dificuldade de deglutição.
“O paciente, quando apresenta um atraso motor de fraqueza, já perdeu o tempo do tratamento. Sabemos hoje que temos drogas que modificam o curso da doença mas estão ligadas ao tempo do início do uso dessa medicação. Hoje temos uma parcela que vai ser agraciada, nasceu no serviço público e vai ter acesso à triagem neonatal ampliada. Porém, existem aqueles pacientes que nasceram fora do DF ou em serviço particular e não tiveram acesso a esse serviço do teste ampliado”, diz a médica.
*Com informações do HCB