No Brasil de toda a decisão política passa por algum questionamento no judiciário. As decorrências são amplas e atingem todo o espectro da vida política e, agora, ameaçam a existência dos próprios partidos.
Por Tiago Lucero*
As decisões políticas são, ou deveriam ser, anteriores ao ato de judiciar, típico do Poder Judiciário, afinal é no seio da atividade política parlamentar que nascem as leis, porém, no Brasil, as coisas se inverteram nas últimas décadas e cada vez mais as decisões políticas são forçadas a passar por um crivo judiciário.
Ocorre que a política tem sua própria linguagem e regras que são muito diferentes daquela do mundo de juízes, advogados e promotores. Se no âmbito jurídico, as decisões são tomadas após um embate cognitivo regido pela letra dura da lei, na política as decisões são tomadas à luz do processo democrático pela convergência de vontades que se traduzem em uma estrutura de alianças que somente têm força pela legitimidade. Não basta uma decisão ser perfeita na forma jurídica, se não for legítima para os pares, ela não é válida politicamente, isto é inafastável na democracia representativa.
Porém, por força da crise institucional que tem seu ápice, logo após o impeachment de Dilma Roussef, o mundo político “descobriu” que é possível derrubar suas próprias decisões através do judiciário. É difícil a semana, ou mesmo o dia, que não ouvimos no noticiário que algum político, partido ou organização peticionou algo junto a alguma corte contra uma decisão política.
Como resultado, temos uma tremenda instabilidade nas decisões políticas, questões que são debatidas por meses, às vezes anos, que demandaram toda a sorte de negociações e acordos para gerar o equilíbrio necessário para se tornarem realidade, nisso são facilmente derrubadas em decisões judiciais, as quais ignoram a formatação democrática e seguem ritos completamente alienígenas àqueles da política.
Em um último movimento, agora essa realidade que impõe ao processo político a judicialização, os partidos se vêem ameaçados. O processo de consolidação das lideranças dentro dos partidos brasileiros é bem conhecido, com pequenas variações, passam pela eleição em convenções de um Diretório, que funciona como um colegiado consultivo e deliberativo, e de uma Executiva, que como o nome diz exerce a função de executar as deliberações do colegiado.
Diferente das eleições por sufrágio, estas são imbuídas dentro do espírito coletivo e ritualístico, as convenções servem para que todos se conheçam, laços sejam costurados de maneira que a votação exprima, exatamente, a vontade de todos, é até mesmo comum a eleição por aclamação.
Nisso, grupos dissidentes ficam represados diante da força da maioria e são obrigados a compor com os majoritários para poder exercer sua influência, essa é a lógica. Porém, com o advento da judicialização política, estes grupos não mais buscam articular alianças para serem ouvidos, agora existe a “via judiciária”, na qual não é possível a avaliação da legitimidade, mas somente a forma. Nisso, estes grupos buscam se travestir da forma pseudo-legal para galgar aos juízes posições que não lhes foi de fato dadas.
Se tal situação já não fosse perturbadora dentro da ótica partidária, ela se torna ainda mais perigosa diante das últimas alterações no processo eleitoral que estabeleceram pesadas cláusulas de barreira. Legendas que não alcançarem números mínimos nas próximas eleições legislativas correm o severo risco de deixar de existir, no que não terão acesso a recursos e serão afastadas da mídia.
Recentemente, essa realidade tomou forma diante de uma série de confusões ocorridas nas trocas de lideranças de partidos consagrados. O PRTB do icônico falecido Levy Fidelix se vê em uma batalha familiar e jurídica pelo espólio partidário. O PTB diante da prisão de seu líder em decorrência do avanço das ações sobre milícias digitais no STF viu toda uma movimentação para se tentar implementar uma nova presidência a revelia do processo normal do partido. Inclusive, nesta semana viu uma decisão negar a esta direção autoproclamada a posse da sede do partido.
Situação análoga vive o PROS, um partido com grande penetração e representatividade dentro do Congresso, que também vê a tentativa de uma ala dissidente de se substituir ao Diretório eleito por meio de eleições que não seguiram nem de longe a ritualística típica. Porém, diferente do PTB, o PROS não teve um presidente preso pela justiça, na verdade sobre este não recai qualquer decisão judicial. No caso, a ala dissidente o acusa de corrupção, porém não houve averiguação nem processo algum para afirmar isso, e a história toda é recheada de fatos obscuros.
Nesse caso, a despeito de os dissidentes terem já perdido ações na primeira instância e no TSE, o caso foi parar em uma turma civil do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, e três desembargadores deverão agora decidir se quem está certo é o grupo dissidente ou o Diretório eleito em Convenção Nacional.
De certo é que outros partidos ainda vivem situação semelhante e em um ano eleitoral de uma eleição decisiva para a sobrevivência destes partidos no cenário político, a judicialização é fonte de uma instabilidade que pode ser a diferença entre a vida e a morte das legendas.
*Tiago Lucero é antropólogo e sociólogo, também estudou Economia e Direito e é especialista em Antropologia Econômica.
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