Os cafés gourmet ganharam popularidade nos últimos anos ― mas o que faz uma variedade de café ser tão valiosa?
No leilão anual de cafés premiados do Panamá, todos os olhos se voltam para os preços.
Isso porque a cada ano é batido um novo recorde. Neste ano, o grão mais bem avaliado foi vendido por US$1.300 (R$ 7,3 mil) por libra (454 gramas) ― superando os US$ 1.029 (R$ 5,8 mil) de 2019.
Em 2018, o café vencedor ― leiloado por US$ 803 (R$ 4,5 mil) ― foi uma variedade chamada Elida Geisha, colhida em uma plantação familiar situada dentro de uma reserva de floresta vulcânica no oeste do país.
Apenas 45 kg do café foram vendidos no leilão para um grupo formado por compradores chineses, japoneses e taiwaneses ― e também para um americano, da Klatch Coffee, de Los Angeles.
A Klatch garantiu 4,5 kg do lote, e logo lançou uma promoção: uma xícara do “café mais caro do mundo” por US$ 75 (aproximadamente R$ 420).
“Quando pensamos nos melhores vinhos ou conhaques, há tantas bebidas agradáveis semelhantes, e não hesitamos”, diz Darrin Daniel, diretor-executivo da Alliance of Coffee Excellence, uma organização sem fins lucrativos com sede em Portland, nos EUA, que apoia pequenas fazendas produtoras de cafés especiais em todo o mundo.
E, segundo ele, o café de alta qualidade também merece esse tratamento.
Afinal, foi necessário muito esforço para produzir aquela xícara de café em particular.
Atualmente, a cotação do café commodity no mercado internacional é de US$ 1,10 por libra, em decorrência do excesso de oferta.
As propriedades agrícolas de grande porte em países como o Brasil ― que fornece 29% do café importado da União Europeia ― tornam a competição entre as pequenas propriedades familiares desafiadora e por vezes insustentável.
Foi durante uma recessão no final da década de 1990 que os concursos e leilões de cafés especiais começaram a decolar. O objetivo, diz Daniel, era reconhecer os pequenos produtores e criar uma plataforma para se conectarem a compradores de café nos EUA, Europa, Austrália e Ásia.
Hoje, há dezenas de concursos e leilões de café. A Cup of Excellence, organizada pela Alliance of Coffee Excellence, é conhecida como “Olimpíada do Café” e atrai agricultores de 11 países.
A The Best of Panama, competição que coroou a variedade Geisha da Lamastus Family Estates (2018 e 2019) e Finca Sophia (2020), também atrai um público internacional.
Os cafés com maior pontuação nessas competições são vendidos por um valor muito mais alto do que US$ 1,10 por libra ― não necessariamente US$ 1.300, mas às vezes entre US$ 100 e US$ 300 por libra.
“É gratificante para os agricultores e para os consumidores”, afirma Ric Reinhardt, diretor-executivo emérito da Associação de Cafés Especiais da América (SCAA, na sigla em inglês).
“Enquanto os agricultores têm uma vida melhor, os consumidores desfrutam de um produto melhor.”
A variedade Elida Geisha, vencedora em 2018 e 2019, vem de uma pequena fazenda em Boquete, no Panamá, administrada por quatro gerações da família Lamastus. Elida era o nome da matriarca que administrava a fazenda e criou a família sozinha depois de perder o marido ainda jovem.
Embora a família cultive café por mais de 100 anos, o grão Elida Geisha é relativamente novo. Por muito tempo, a fazenda da família enfrentou dificuldades e perdeu dinheiro, diz Wilford Lamastus Jr, produtor de café da quarta geração da Lamastus Family Estates.
Além do café, a fazenda também cultivava cebola, amoras e melão para fazer face às despesas.
“Qualquer pessoa em sã consciência diria: ‘Estamos perdendo dinheiro. Temos que parar'”, lembra Lamastus.
Mas a família decidiu dobrar a aposta no café. O pai dele ajudou a estabelecer a Associação de Cafés Especiais do Panamá, juntando-se a outros cafeicultores da região e organizando a competição Best of Panama.
Em 2004, o grupo se viu diante de um momento decisivo: outra propriedade familiar, a fazenda La Esmeralda, encontrou uma variedade rara de café chamada Geisha. Destaque na competição daquele ano, foi vendida a US$ 21 por libra, um recorde na ocasião.
Logo, outros agricultores, incluindo a família Lamastus, também começaram a cultivar o grão.
Também conhecida como Gesha, esta variedade se originou na década de 1930 na região de Gesha, na Etiópia. Por volta dos anos 1960, as sementes acabaram chegando a um centro de pesquisa na Costa Rica, e depois ao Panamá.
Os fazendeiros descobriram que a variedade era resistente e capaz de sobreviver a certas doenças, mas produzia pouco café ― e não era saboroso.
Por anos, ficou esquecida. Até que a família Peterson da fazenda La Esmeralda descobriu a variedade por acaso durante um levantamento na propriedade. E constatou que, se cultivada em altitudes mais elevadas, produzia um café de sabor único e acentuado.
“Você pode passar a vida toda encontrando ocasionalmente uma ou duas notas [florais e/ou frutadas] juntas em um café realmente bom”, diz Reinhard.
Mas, no caso da variedade Geisha, “você encontra toda uma sinfonia dessas notas”.
A família Lamastus comprou e plantou as primeiras sementes em 2006. Demorou oito anos ― muito mais do que a maioria das variedades de café leva ― até a primeira colheita.
Os pés de café eram difíceis de ser cultivados.
Lamastus estima que 20% morreram durante a transferência do viveiro, enquanto outros padeceram por estarem muito expostos em altitudes tão elevadas.
Mas Lamastus diz que eles também foram abençoados com um excelente terreno para plantio, um rico solo vulcânico, um microclima único de grandes altitudes e uma localização central entre o Caribe e o Oceano Pacífico.
A colheita e o processamento dos grãos exigem bastante atenção a cada detalhe para que o sabor do café possa ser realçado. Cerca de 20% dos 65 hectares da fazenda agora são dedicados à variedade Geisha ― e eles ainda planejam expandir.
Em 2018, o grão Elida Geisha da família Lamastus venceu em sua categoria. Em 2019, a família ganhou duas vezes, tanto com a variedade Elida Geisha natural, quanto com o Elida Geisha lavado ― alcançando, no leilão, o preço recorde de US$ 1.029 por libra.
Michael Perry, comprador e especialista da Klatch, foi um dos jurados do concurso “The Best of Panama” de 2018, parte de um júri internacional que provou os cafés às cegas, dando uma nota de 1 a 100 para cada variedade.
Perry concedeu 97 pontos ao Elida Geisha natural.
“Foi a melhor xícara que já degustei na vida”, diz ele, que só não deu nota 100 para o caso de aparecer algo ainda melhor no futuro.
Perry logo se juntou a um grupo de compradores, como o Black Gold de Taiwan, para dar um lance em conjunto no leilão. Por causa da diferença de fuso horário, o leilão online foi até tarde da noite, mas ele foi dormir sabendo que haviam comprado o lote premiado.
Com o custo de envio e preparação do café, Perry estima que o preço final ficou próximo de US$ 1.000 por libra ― e cada libra produz cerca de 80 xícaras de café.
Klatch transformou isso em uma experiência: em eventos privados, os clientes não apenas pagam para saborear uma xícara do café raro, como também aprendem sobre suas origens.
“Mesmo as pessoas que estão pagando pelo café não sabem exatamente por que estão pagando tanto”, afirma Heather Perry, vice-presidente da Klatch e presidente da SCAA.
“Portanto, adicionar contexto ajuda.”
Daniel Walsh é um dos clientes da Klatch que pagou para provar uma xícara do café premiado.
Profissional da indústria de bebidas, ele se autodescreve como esnobe em relação a café, ao ponto que quando viaja, leva seus próprios grãos, moedor e cafeteira para preparar uma xícara todas as manhãs.
“É claro que você não vai pagar US$ 75 por uma xícara todos os dias”, diz Walsh.
“Mas você compra boas garrafas de vinho ou uísque, e paga rios de dinheiro por relógios ou sapatos que usa apenas uma vez. Adoro café e queria poder dizer: ‘Provei’.”
Walsh degustou então o café, saboreando a combinação incomum de sabores florais e frutados. E não podia estar mais certo da sua decisão:
“Você simplesmente não consegue sentir isso no café do dia a dia”, afirma.
FONTE: ÉPOCA NEGÓCIOS