Agência Minas Gerais | Ampliação do debate sobre doação de órgãos e tecidos é fundamental para reduzir tempo de espera, alerta MG Transplantes


Com a chegada da aposentadoria, o químico industrial Paulo Roberto Ribeiro, de 76 anos, resolveu se dedicar integralmente aos ofícios de mecânico automotivo e carreteiro.

Em uma renovação de carteira de motorista, foi reprovado no exame de vista e recebeu o diagnóstico de catarata. A cirurgia teve complicações que acabaram tornando seu caso elegível para transplante de córnea.

Paulo Roberto / Crédito: Francis Campelo

Em janeiro deste ano, foi transplantado no olho esquerdo. Agora, ele aguarda o momento para realização do transplante de córnea no olho direito.

“Só quando a gente passa por uma situação dessas é que passa a valorizar. As nossas vistas são dois diamantes. Para mim, ficar com baixa visão foi muito difícil. Receber a doação de córnea foi uma benção”, afirma. 

“Recuperei parte da autonomia, voltei a enxergar melhor, vejo meus netos. Você ser doador é algo muito nobre. Muda muito a vida de quem precisa”, relata Paulo Roberto.

A enfermeira e técnica de Enfermagem do Hospital João XXIII – atualmente atuando na área administrativa – Cintia Silva Madureira, de 48 anos, também passou por um transplante no olho esquerdo, quando recebeu o diagnóstico de ceratocone.

 “O transplante mudou minha vida, nem sabia direito quais eram as cores. Posso dizer que vi Belo Horizonte pela primeira vez. Para mim, era tudo embaçado, não tinha diferença de verde escuro, verde claro. Sou apaixonada por dirigir. Meu sonho sempre foi tirar carteira. Só consegui fazer isso em 2017 e, como a situação do olho direito tem piorado nesses últimos anos, tive dificuldades para renovar”, afirma.

No momento, Cintia está esperando a chamada para fazer o segundo procedimento, desta vez no olho direito.

“Sei que o momento da morte é muito complicado para a família, mas a doação de órgãos é algo tão importante. Conscientização, informação e empatia são fundamentais. O momento pode ser difícil mas ajudar ao próximo é algo maravilhoso. Vivo na esperança de quando vai chegar a minha vez de receber a outra córnea”, conta.

Mais informação, mais notificações

O MG Transplantes, da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), tem trabalhado para rearticular e fortalecer as comissões intra-hospitalares para doação de órgãos e tecidos para transplantes – as CIHDOTTs – que são responsáveis pela identificação de potenciais doadores nos grandes hospitais de Belo Horizonte e do interior.

Cintia Silva / Crédito: Arquivo pessoal

Para conseguir aumentar o número de atendimentos e, consequentemente, reduzir o tempo de espera de pacientes como Cintia e Paulo Roberto, as equipes alertam para outra duas questões importantes: a necessidade de aumentar a notificação de potenciais doadores pelos hospitais e também de ampliar o debate sobre doação de órgãos e tecidos. 

Hoje, um dos desafios é recuperar a agilidade na realização de procedimentos como o transplante de córnea, bastante impactado pela pandemia de coronavírus. São mais de 3,7 mil pessoas na fila em Minas Gerais.

O médico oftalmologista e coordenador do Núcleo de Tecidos Oculares do MG Transplantes, Paulo Lener Filho, explica que uma das restrições adotadas no período crítico da covid-19 foi justamente a interrupção temporária da captação de doadores de coração parado. E, ao contrário dos doadores de morte encefálica – que podem doar múltiplos órgãos e tecidos – os doadores de coração parado representam a principal fonte de córneas para transplante.

“O número de óbitos de coração parado é muito maior do que os de morte encefálica. Além disso, há um prazo de seis horas após a parada cardíaca para a enucleação (retirada do globo ocular). Antes da pandemia, cerca de 80% das doações de córneas vinham de doadores de coração parado. Hoje, há uma inversão dessa situação. A maioria vem da morte encefálica, o que acarreta uma redução no número de córneas disponíveis e, consequentemente, em um tempo maior de espera para os pacientes”, esclarece o coordenador.

No momento, o MG Transplantes está focado em auxiliar as comissões em sua reorganização, com novos treinamentos a essas equipes.

“Atualmente, a maioria das CIHDOTTs comunica o óbito aos bancos de olhos e, após avaliação do doador, exclusão das contraindicações para doação e o consentimento familiar, a equipe se desloca para fazer a captação de tecidos oculares. A nossa ideia é ampliar nos hospitais as equipes que façam não só a avaliação e a entrevista familiar, como também a retirada do globo ocular. Dessa forma, simplificamos o processo e ganhamos tempo”, conclui.

Incentivo

O Governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), concretizou, em 2023, um grande avanço para aumentar a realização de transplantes de órgãos e tecidos no estado. Por meio da Deliberação 4.330 e da Resolução 8.955, foi definida a implementação da Política Continuada de Ampliação à Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos. 

 Entre os objetivos principais está o incentivo ao Sistema Estadual de Transplantes de Minas Gerais, visando reduzir o tempo do paciente na fila de espera, por meio do aumento do número de doações e captações.

Para isso, será incentivada a ampliação da rede transplantadora estadual. Outro objetivo é estimular a atuação efetiva das CIHDOTTs, com vistas a aumentar a identificação de potenciais doadores, bem como a conclusão de diagnósticos de morte encefálica e a doação de órgãos e tecidos no estado.

Em maio de 2024, foram formalizados os termos de adesão dos hospitais à política. O valor de repasse inicial em 2024 será de R$ 40 mil para cada instituição participante, totalizando R$ 1,48 milhão.

“A SES-MG tem oferecido incentivo financeiro para hospitais que cumprirem uma meta mínima de captação. Além disso, temos reforçado as campanhas de conscientização sobre o tema. Afinal, não basta atingir apenas quem trabalha com transplantes”, observa Paulo Lener Filho.

Segundo o médico oftalmologista, “é fundamental que as pessoas se informem sobre a oportunidade de doação frente a um falecimento. Sabemos que não é um momento fácil para a família, mas pode ser que a pessoa sempre tenha tido vontade de ser um doador. Então, os próprios familiares podem perguntar ao hospital sobre a possibilidade de doação das córneas”, afirma coordenador.

 








 
 
  
  


Bancos de Tecidos Oculares

Atualmente, há três bancos de tecidos oculares em Minas Gerais. Dois deles pertencentes à Fhemig: o banco do Hospital João XXIII, em Belo Horizonte, e do Hospital Regional João Penido, em Juiz de Fora.

O Banco de Tecidos Oculares do João XXIII é o principal do estado. Ele é responsável pela regional metropolitana e fornece grande parte das córneas para transplantes em Minas Gerais. O serviço também promove capacitação das CIHDOTTs, além de credenciamento e treinamento de novas equipes externas de captação.

Recentemente, o serviço foi contemplado com a aquisição de dois novos equipamentos com tecnologias mais avançadas: a lâmpada de fenda – que possibilita examinar a totalidade do olho em alta resolução, com a visualização do tecido corneano com aumento de até 40 vezes – e o microscópio especular, que documenta fotograficamente as células da camada mais interna da córnea e permite a análise quantitativa e qualitativa das células endoteliais (anatomia, formato, tamanho, quantidade de células).

O investimento em tecnologia garante ainda mais segurança e qualidade na classificação e liberação das córneas para transplante.

Serviço

Mais informações sobre doação de órgãos e tecidos estão disponíveis neste link ou pelos telefones do MG Transplantes: 0800 283 7183 e 3219 9200. 



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