Audiência pública debate abusos enfrentados por autistas no serviço público


Audiência pública debate abusos enfrentados por autistas no serviço público

Pessoas com Transtorno do Espectro Autista denunciaram dificuldades para garantir benefícios garantidos por lei

A Câmara Legislativa promoveu, nesta quarta-feira (18), uma audiência pública que debateu os desafios enfrentados por servidores públicos autistas, bem como seus familiares, no ambiente de trabalho. O encontro foi proposto pelo deputado Eduardo Pedrosa (União brasil), presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas com Autismo, e foi palco de inúmeras denúncias de abusos que vem ocorrendo em diversos órgãos públicos.

Na audiência, Pedrosa destacou a importância de se criar um ambiente inclusivo para os servidores autistas. Ele ressaltou que “embora os avanços tenham sido feitos em termos de conscientização e políticas de inclusão, ainda há muito a ser feito para garantir um local de trabalho verdadeiramente acolhedor.” O deputado enfatizou que as dificuldades enfrentadas por essas pessoas, como a “dificuldade em conseguir um emprego e a obtenção de uma colocação compatível com a sua formação”, são indicativas de uma realidade excludente que deve ser combatida por meio de políticas eficazes.

Pedrosa também abordou o impacto do estigma e da falta de suporte no ambiente laboral, mencionando que “altos níveis de estresse, problemas interpessoais e de adaptação influenciam a saúde mental das pessoas autistas”. Ele pediu que gestores e colegas desenvolvam uma “atitude acolhedora, de combate ao capacitismo, do preconceito e da segregação de profissionais e servidores autistas”. O deputado destacou ainda que o caminho para uma inclusão efetiva envolve não apenas uma mudança de políticas públicas, mas também uma transformação cultural que reconheça as capacidades dos autistas, promovendo um ambiente de trabalho que respeite e valorize as diferentes habilidades de todos os indivíduos.

Violações de direitos

Adriany Lemes, servidora da Secretaria de Saúde e mãe de uma criança com autismo, falou da luta que passou a enfrentar em seu ambiente de trabalho quando pleiteou redução de carga horária para acompanhamento do filho, benefício garantido por lei. A servidora relatou sofrer com posturas abusivas e com assédio por parte da chefia, e alegou que sua experiência não é um caso é isolado. “Sofremos perseguições de chefes, assédio de colegas e falta de empatia”, lamentou.

O advogado Max Kolbe, especialista em concursos públicos, denunciou que bancas examinadoras vem, reiteradamente, recusando o pleito de autistas que visam concorrer dentro das vagas destinadas às pessoas com deficiência. Apesar de a Lei 12.764/12 determinar que a pessoa com transtorno do espectro autista (TEA) seja considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, Kolbe afirmou que tem acompanhado diversas decisões judiciais dando ganho de causa às bancas examinadoras, o que tem restringido o direito dos candidatos com TEA. “O que está acontecendo é chocante, estão restringindo as ações afirmativas”, declarou o advogado.

Servidor da CLDF há 27 anos, Victor Figueiredo, que é autista e tem um filho com a mesma condição, afirmou que batalha pela conscientização para que sejam promovidas as adaptações necessárias para que o servidor com TEA possa exercer suas atividades de forma plena, como as adequações ligadas à luminosidade e ruídos no ambiente. Ele aproveitou a ocasião para falar da importância da implantação de uma sala de regulação em todos os órgãos para que o servidor autista, quando estiver em crise, possa se acalmar.

Figueiredo afirmou que o debate é importante para lutar contra o preconceito e o estigma social negativo com relação às pessoas com TEA. “Alguns não admitem (serem autistas) por causa do medo. Ainda há muito preconceito no serviço público com relação a essa condição”, lamentou.

A ativista dos direitos dos autistas e demais pessoas com deficiência Juliana Hernandez também usou o microfone para denunciar invalidações e discriminações que autistas vêm sofrendo no serviço público. Segundo ela, ao solicitar o reconhecimento de sua deficiência, frequentemente o autista tem seu diagnóstico invalidado por profissionais “sem conhecimento nenhum sobre autismo”.

A pesquisadora relatou que a justificativa para o indeferimento do pedido se baseia, na maioria dos casos, em indícios que errôneos. O fato de ser casado, de ter filhos ou de já ter cursado uma faculdade é utilizado comumente para alegar que determinado servidor não é autista e, consequentemente, que não se enquadra em PCD. Para ela, essa prática é “extremamente abusiva”, uma vez que esses indicadores não podem basear um diagnóstico adequado da condição. 
Representando o Movimento Orgulho Autista Brasil (MOAB), Edilson Barbosa, falou sobre a importância de se mapear os autistas no serviço público, bem como seus parentes, para que a administração possa criar as condições necessárias ao atendimento de suas particularidades.

O ativista sugeriu que a frente parlamentar crie um observatório dos servidores para colher denúncias relativas à falta de sensibilidade com relação às pessoas com TEA, com a proposição de um documento que defina a linha de conduta de atendimento a autistas em todos os órgãos públicos do DF.

Como encaminhamento da audiência, o deputado Pedrosa acatou a ideia do representante da MOAB e anunciou que a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas com Autismo vai trabalhar para a implementação do observatório de servidores. A frente trabalhará ainda na construção de uma minuta de projeto de lei para a criação de um protocolo de conduta de atendimento às pessoas com autismo, que deverá ser seguido por todo o serviço público do DF.

Avanços

Representando a Secretaria de Educação do DF (SEE/DF), a servidora Fernanda Patrícia pontuou que a pasta já tem políticas sólidas voltadas para o estudante e que vem buscando se alinhar também às necessidades de seus servidores. Segundo informou, no ano passado, a secretaria publicou uma portaria que institui o Programa de Saúde Mental no Trabalho, medida que visa o atendimento individual psicológico e que tem atendido muitos servidores autistas. “O fato de ouvir as necessidades dos servidores está nos ajudando a melhorar e a compor novas políticas públicas de educação para o ambiente escolar”, enfatizou.

Já a representante da Secretaria de Saúde (SES/DF) Mabele Roque declarou que, desde 2021, foi implantada uma política de qualidade de vida aos servidores. Ela explicou ainda que a pasta, em parceria com o Ministério da Saúde, vem trabalhando a criação do Comitê de Equidade, Diversidade e Inclusão, grupo focado em implantar melhorias em atendimento às necessidades das pessoas com deficiência.

O inspetor da Polícia Rodoviária Federal Fernando Cotta, que coordena o Projeto PRF Amiga dos Autistas, explicou o quanto o projeto tem sido importante para se conscientizar as chefias de diversos órgãos da necessidade de se flexibilizar o trabalho de servidores pais e mães de autistas. Cotta, que tem um filho com TEA, narrou sua experiência própria para descrever as barreiras enfrentaras para se conciliar o serviço público com as necessidades de acompanhamento médico e terapêutico exigidas pelo filho.

 

O policial tem promovido diversas ações de conscientização por meio do programa, que já está se difundindo para outros órgãos como Detran/DF e Polícia Judiciária. Para Cotta, as normas garantidoras de direitos – como a Lei nº 12.764/12, que cria Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA – representam avanços significativos, mas é preciso que os gestores e a sociedade coloquem em prática o que está positivado. “Precisamos tirar a lei do papel e colocá-la no cotidiano das famílias”, afirmou.

Você pode assistir à audiência desta terça-feira de forma completa pelo YouTube da CLDF.



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