Uma pesquisa genética apontou que os cearenses possuem mais informação genética de povos nórdicos do que de negros e indígenas. Como a população do Ceará é predominantemente parda, o estudo foi, no primeiro momento, alvo de piadas na internet. Agora, gera um debate sobre a motivação por trás da tentativa de encontrar nos vikings os antepassados dos habitantes do estado
Presente no livro “O cearense revelado: Uma jornada via DNA desvenda nossa ancestralidade”, lançado na última quinta-feira (6), a pesquisa foi conduzida por Luís Sérgio Santos, professor de jornalismo na UFC (Universidade Federal do Ceará), e financiada pelo Instituto Myra Eliane. Cientistas consultados por Tilt identificam falhas, da metodologia à forma de publicação, que dão a entender que o processo foi manipulado para produzir um resultado pré-determinado.
“Eu gosto muito de focar que é uma pesquisa de ancestralidade”, diz Santos, também professor da Universidade Federal do Ceará. Ele escreveu a biografia do ex-governador do Ceará, Parsifal Barroso, autor do livro “O Cearense” (1969), que analisa a miscigenação no estado e que trazia a sugestão de que os europeus têm forte influência sobre o cearense.
A nova publicação, considerada uma sustentação científica da hipótese não comprovada de Parsifal, é prefaciada por Igor Queiroz Barroso. Além de neto do ex-governador, Barroso é diretor do conselho do Grupo Edson Queiroz, presidente do Instituto Myra Eliane e entusiasta da pesquisa, chamada de “GPS-DNA Origins Ceará”.
“Nós mostramos nessa pesquisa que o português trouxe pra cá o gene escandinavo. Aparece [no resultado] o gene ‘fennoscandia’, e dentro dele está a população viking. Quem trouxe esse gene pro Brasil? Os vikings? Não, foram os ibéricos. E essa pesquisa vai até milhares de anos atrás”, explica Santos..
Metodologia Para elaborar o estudo, os pesquisadores: Colheram amostra da saliva de 160 cearenses e as enviaram a um centro de diagnósticos de DNA nos Estados Unidos; Testaram as amostras para 80 mil marcadores genéticos; Constataram que o material genético coletado possuía 17,7% de ascendência europeia vinda da região onde se encontra a Escandinávia. Isso é relatado no capítulo “Fennoscandia e a Era Viking” do livro “O cearense revelado”. O capítulo seguinte é sobre a história dos vikings; Usaram o método GPS-DNA, que encontra no DNA agrupamentos (“polos”) genéticos que indiquem uma origem geográfica. Concluíram que o DNA cearense teria a Fennoscandia.
Antes de ser publicada em livro, a pesquisa foi alvo de reportagens da imprensa local em 27 de julho. Ela foi seguida de muitos memes. O humorista Falcão disse que o chifre do “corno” cearense é herança direta dos vikings. Alguns sugeriram transformar a série “Vikings” em patrimônio cultural do Ceará. Logo, as risadas cessaram e vieram críticas de geneticistas, historiadores e sociólogos…
Segundo a Doutora Tábita Hünemeier geneticista especializada em populações da Universidade de São Paulo (USP)existe um descompasso genético, um dos principais pontos fracos da pesquisa é retroceder milhares de anos. Mesmo que seja eficaz em fazer mapeamento genético, o GPS-DNA não consegue apontar, do ponto de vista genético e com precisão, quais são os povos formadores do Ceará..
“Esse método não se usa para população miscigenada como a nossa. Ele é para estudo de história profunda, que volta mais de mil anos no passado. Aantes da colonização do Brasil. A informação pode ser real, mas ela não é coerente”, diz. Por isso, o método não detecta uma ancestralidade brasileira.
FONTE: Tilt