“Ele estava consciente e implorando para ser intubado, porque não aguentava mais a dificuldade para respirar. Me chocou muito esse paciente implorar para respirar sem saber se sairia do respirador, sem saber se voltaria à consciência, se sobreviveria”
Esse relato angustiante, vem da enfermeira Ana Paula Lemos, coordenadora da área de transfusão de sangue do Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul.
Ana Paula conta que correu à UTI para realizar um procedimento de transfusão em um paciente e lá se deparou com um senhor de 60 anos que imlporava para ser intubado, mesmo sabendo que talvez não retornasse mais após esse procedimento. E de fato, o paciente veio a óbito alguns dias depois.
O Estado está próximo do colapso do sistema de saúde e acionou a fase mais crítica do plano de contingência ao coronavírus.
“Estamos com quase 100% da ocupação. Temos três UTIs. Uma é destinada só para pacientes com Covid-19. Ela está com lotação de praticamente 100% dos leitos. Temos outras duas UTIs que já atingiram lotação máxima”, contou a enfermeira.
“Cirurgias eletivas foram todas suspensas. Estamos trabalhando com situações de urgência e emergência. A entrada de visita foi totalmente restrita. Os pacientes ficam sem acompanhantes para reduzir o fluxo de pessoas e só falam com a família por vídeo”.
Pior fase da ‘guerra’
Lemos presenciou dezenas de pacientes morrerem desde o início da pandemia, inclusive alguns com os quais convivia havia meses ou anos, já que eram pessoas que precisavam de transfusões periódicas por outras condições de saúde.
“Trabalhamos com muitas pessoas em tratamento de câncer e tivemos muitas perdas de pacientes fixos que acabaram contraindo Covid. A gente se apega ao paciente. E chega outro dia e a gente diz: mais um a gente perdeu.”
Ela diz que se sente numa “guerra” e que o momento atual é o pior desde o início da pandemia. “O mais difícil é o sentimento de que isso não vai ter fim. Parece que a gente não vê uma luz. A gente vê os pacientes internando, internando, e a gente não vê uma saída. A gente tem que aguentar firme”, afirma, embargando a voz.
“Ninguém nos perguntou se a gente queria entrar na guerra ou não e a gente entrou. E essa é a fase mais difícil.”
Segundo Lemos, comparado com o primeiro pico de casos no Rio Grande do Sul, o atual está provocando lotação mais acelerada de todas as unidades do hospital.
“Está pior em volume de internação e a velocidade de contágio parece estar maior. Nós já tivemos 100% de ocupação de UTI antes, mas as unidades de internação estavam mais vazias. Tínhamos como remanejar, agora não. E estamos no limite do estoque de sangue.”
Jovens morrendo
Lemos também disse que percebe um fluxo maior de jovens com quadro grave de Covid-19. Despedir desses pacientes é uma das partes mais difíceis do trabalho, diz.
Ela contou que recentemente teve que acalmar um homem de 36 anos com Covid-19 que parecia ter poucas chances de sobreviver.
“A gente não pode dizer para o paciente que ele vai melhorar, que isso vai passar, porque em alguns casos não é verdade. Falei que ele ia receber uma medicação que ia amenizar a dor e que as coisas iriam se organizar da melhor forma para ele, naquele momento”, disse. O rapaz acabou morrendo.
“Tentamos fazer tudo de maneira humana, sensível, dar conforto. Mas a gente está observando um número muito grande de pacientes jovens com Covid grave. É duro. Às vezes eu estou indo para casa e dou aquela engasgada.”
Pressão constante
Lemos diz que a pressão é tão grande que alguns colegas desenvolveram ansiedade, saíram de licença ou pediram demissão.
“Está tendo muito desligamento por questões psicológicas. Eu não sei como ainda estou limpa de medicação, de antidepressivos. Eu tiro forças do meu filho. Ele não pode me ver desabar”, afirma.
FONTE G1