A mesma dieta balanceada que para a maioria traz benefícios à saúde, pode ser inadequada para quem tem síndrome da quilomicronemia familiar (SQF)
A SQF é uma doença genética rara, hereditária, que afeta homens e mulheres, que pode se manifestar em qualquer momento da vida. O aumento de triglicérides no organismo dos pacientes ocorre por uma anomalia nos genes responsáveis pela produção ou função da enzima lipoproteína lipase (LPL)[3]. Essa enzima é encarregada de “quebrar” os triglicérides presentes nos quilomícrons (uma das moléculas responsáveis pelo transporte de lipídeos)[4] possibilitando que elas sejam enviadas para tecido adiposo e músculo. O restante, é transportado diretamente ao fígado. A ausência dessa enzima leva a um acúmulo de quilomícrons no sangue que elevam a quantidade de triglicérides, causando diversos sintomas[2].
“Os principais sinais e sintomas dessa condição são dores abdominais, nódulos de gordura na pele, e pode ainda provocar pancreatite aguda. Em razão de serem semelhantes à outras doenças, acabam levando à um diagnóstico incorreto e tardio. Entretanto, existem outros sinais que podem ser observados em conjunto como: triglicérides elevados; sangue viscoso com uma camada de gordura visível já durante a coleta do exame de sangue; depósito de gordura na retina; fadiga e em alguns indivíduos, alteração de memória. Assim, o diagnóstico precoce é essencial para evitar as complicações dessa doença, especialmente a ocorrência de pancreatite”, explica a nutricionista Ana Maria Pita Lottenberg.
Para quem tem a síndrome, é fundamental o acompanhamento nutricional constante, uma vez que a principal forma de tratamento da doença é a adequação da alimentação. “Com a confirmação do diagnóstico da SQF, o primeiro passo é elaborar uma dieta restrita em gorduras para esse paciente, o que significa retirar não apenas alimentos industrializados e embutidos, mas também os alimentos considerados saudáveis que possuem grande quantidade de gordura, como óleos vegetais (canola, soja e oliva), castanhas, nozes, abacate. E apostar em alimentos como hortaliças, cereais, carnes pouco gordurosas, produtos lácteos desnatados e grãos. Assim, a dieta é composta por alimentos saudáveis consumidos normalmente em uma alimentação equilibrada, no entanto com o consumo mínimo de alimentos ricos em gordura”, esclarece Lottenberg.
Além do acompanhamento do nutricionista, esses pacientes devem contar também com outras especialidades médicas, já que a condição traz diversos sintomas e pode afetar outras áreas do organismo. “Por ser uma doença que pode se manifestar do nascimento até a vida adulta, é necessário que o paciente tenha um acompanhamento multidisciplinar constante, podendo procurar por especialistas como cardiologistas, pediatras, endocrinologistas, hepatologistas, hematologistas, geneticistas, dermatologistas e nutricionistas, por exemplo.
Ainda que os pacientes com SQF tenham que seguir uma dieta restrita, é importante que consigam aderi-la e mantê-la com constância e, com a ajuda do nutricionista, podem experimentar modos de preparos diferentes e novas receitas para conseguir uma variedade em sua alimentação.
A SQF é uma doença genética de herança recessiva, ou seja, é necessário que tanto o pai quanto a mãe de um indivíduo afetado, tenham um gene alterado; portanto, o risco de recorrência para a prole (os filhos) de pais portadores (do gene alterado) é de 25% para cada gestação do casal. Além disso, estima-se que a prevalência seja entre uma e duas em cada um milhão de pessoas. [2,3]
O diagnóstico da síndrome pode ser feito através do exame clínico ou laboratorial. Em um exame de sangue é possível avaliar a ausência ou deficiência da enzima LPL, assim como os níveis de triglicérides. Além disso, pode ser solicitado também um exame genético[5]. Em geral, o diagnóstico é feito tardiamente por conta dos sintomas bastante comuns e pela doença poder se manifestar em qualquer idade. Logo, é importante que a população tenha conhecimento sobre ela e fique atenta aos sinais.
[1] Burnett JR, Hooper AJ, Hegele RA, et al. Familial Lipoprotein Lipase Deficiency. In: GeneReviews® [Internet]. Sea le (WA): University of Washington, Sea le; 1993?2020.
[2] Falko JM. Familial Chylomicronemia Syndrome: A Clinical Guide For Endocrinologists. Endocr Pract. 2018;24(8):756-763.
[3] Baass A, Paquee M, Bernard S, Hegele RA. Familial chylomicronemia syndrome: an under recognized cause of severe hypertriglyceridaemia [published online ahead of print, 2019 Dec 16]. J Intern Med. 2019;10.1111/joim.13016.
[4] AYNES, John W.; DOMINICZAK, Marek H. Bioquímica médica. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015
[5] Sugandhan S, Khandpur S, Sharma VK. Familial chylomicronemia syndrome. Pediatr Dermatol. 2007;24(3):323-325