Veja como os serviços de inteligência dos EUA e Reino Unido ajudam a Ucrânia a atacar a Rússia

ados de inteligência indicaram zonas que Moscou teria mais dificuldades e orientaram contraofensiva ucraniana

Por The New York Times

WASHINGTON – A estratégia por trás dos rápidos ganhos militares da Ucrânia nos dias recentes começou a tomar forma meses atrás, durante uma série de intensas conversações entre autoridades ucranianas e americanas a respeito do caminho a seguir na guerra contra a Rússia, segundo autoridades dos Estados Unidos.

A contraofensiva – revisada neste verão em relação à sua forma original após urgentes discussões entre graduadas autoridades americanas e ucranianas – foi mais bem-sucedida do que a maioria das previsões. As forças ucranianas devastaram o comando e controle russo e parecem posicionadas para capitalizar sobre seus avanços no nordeste do país e em uma outra campanha no sul.

O trabalho começou logo depois que o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, disse aos seus generais que pretendia fazer um movimento dramático para demonstrar que seu país é capaz de repelir a invasão russa. Sob suas ordens, os militares ucranianos elaboraram um plano para lançar um ataque amplo por todo o sul para retomar Kherson e cortar a ligação de Mariupol com as forças russas no leste.

Os generais ucranianos e as autoridades americanas acreditavam que tal ataque em grande escala implicaria em imensas baixas e fracassaria em retomar rapidamente grandes porções de território. Os ucranianos já estavam sofrendo centenas de baixas diariamente, num conflito cada vez mais excruciante. As forças russas estavam sofrendo baixas similares, mas ainda avançavam, devastando cidades ucranianas na região do Donbas, no leste.

Os comandantes ucranianos, havia muito relutantes em compartilhar detalhes de seus planos, começaram a se abrir mais para as autoridades de inteligência americanas e britânicas e buscar conselhos.

Jake Sullivan, o conselheiro de segurança nacional, e Andrii Yermak, um graduado conselheiro de Zelenski, conversaram inúmeras vezes a respeito do planejamento da contraofensiva, de acordo com uma autoridade-sênior do governo. O general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, e altos comandantes militares ucranianos discutiram regularmente inteligência e apoio militar.

E em Kiev, oficiais militares ucranianos e britânicos continuaram a trabalhar juntos, enquanto o novo adido americano para defesa, o brigadeiro-general Garrick Harmon, começou a se reunir diariamente com os mais graduados oficiais militares ucranianos.

O tempo urgia, acreditavam as autoridades americanas e ucranianas. Para montar um contra-ataque eficaz, os ucranianos precisavam se movimentar antes que a neve começasse a cair — quando o presidente russo, Vladimir Putin, seria capaz de usar seu controle sobre o fornecimento de gás natural para pressionar a Europa.

Esse relato a respeito dos preâmbulos da contraofensiva tem como base entrevistas com várias autoridades graduadas dos EUA e outros indivíduos cientes das discussões sigilosas entre Washington e Kiev que ajudaram os comandantes ucranianos a dar forma à batalha. Muitas fontes falaram sob a condição de anonimato em razão da confidencialidade das conversas.

Autoridades americanas hesitaram em avaliar o impacto total da contraofensiva, ansiosas para ver como a operação continuará a transcorrer. Neste momento, a vantagem é de Kiev.

Um momento crucial neste verão ocorreu durante um jogo de guerra simulado entre autoridades americanas e ucranianas com o objetivo de testar a probabilidade de sucesso de uma ofensiva ampla no sul da Ucrânia. O exercício, noticiado anteriormente pela CNN, sugeriu que uma ofensiva desse tipo fracassaria. Armados com o ceticismo americano, os militares ucranianos comunicaram Zelenski a situação.

“Testamos alguns modelos e fizemos exercícios sobre tabuleiro”, afirmou em entrevista telefônica o chefe de políticas do Pentágono, Colin Kahl. “Essa série de exercícios sugeriu que certas vias para a contraofensiva tinham maior probabilidade de ser mais bem-sucedidas do que outras. Fornecemos essas recomendações, e então os ucranianos as internalizaram e tomaram sua própria decisão.”

Os riscos eram imensos. A Ucrânia precisava demonstrar que esta guerra não iria se tornar mais um conflito congelado e que retomaria território, para elevar o moral de seu povo e fazer funcionar o apoio do Ocidente.

Ao longo de agosto, a pedido dos ucranianos, as autoridades americanas aumentaram o envio de informações de inteligência sobre as posições das forças russas, sublinhando fraquezas em suas fileiras. Os dados de inteligência também indicavam que Moscou teria dificuldade para repor contingente no nordeste da Ucrânia ou mobilizar tropas a partir do sul mesmo que os russos detectassem preparativos dos ucranianos para a contraofensiva.

“Percebemos o fato de que os russos na realidade realocaram grande parte de suas melhores forças para o sul, preparando-se para a outra contraofensiva que os ucranianos haviam iniciado”, afirmou Kahl. “Portanto tivemos motivos para crer que, em razão de persistentes dificuldades no moral e da pressão dos ucranianos, poderia haver bolsões de militares russos mais fragmentados do que parecem no papel.”

Em vez de uma grande ofensiva, os militares ucranianos propuseram duas. Uma, em Kherson, muito provavelmente tardaria dias ou semanas antes de alcançar qualquer resultado significativo, em razão da concentração das tropas russas. A outra foi planejada para ocorrer nas proximidades de Kharkiv.

Conjuntamente, Reino Unido, EUA e Ucrânia conduziram uma análise do novo plano, tentando simulá-lo em jogo de guerra novamente. Dessa vez, autoridades dos três países concordaram que a estratégia funcionaria — e daria a Zelenski o que ele quer: uma grande e clara vitória.

Mas o plano, de acordo com um oficial do Estado-Maior em Kiev, dependia inteiramente do tamanho e do ritmo da ajuda militar adicional dos EUA.

Soldados ucranianos operam drone na região de Kherson, em imagem do dia 5 deste mês. Equipamentos recebidos do Ocidente ajudam ucranianos a identificar alvos russos Foto: Jim Huylebroek / NYT

A Ucrânia, uma ex-república soviética que usava antigas armas soviéticas, esgotou a maior parte da munição que possuía. Aprender a usar novos sistemas de armamentos em meio a uma guerra é difícil. Mas até aqui a manobra arriscada tem se provado bem-sucedida. Mais de 800 mil projéteis de artilharia de 155 milímetros, por exemplo, foram enviados para Kiev, ajudando a abastecer suas atuais ofensivas. Os EUA destinaram mais de US$ 14,5 bilhões em ajuda militar para a Ucrânia desde o início da guerra, em fevereiro.

Antes da contraofensiva, as Forças Armadas ucranianas mandaram para os americanos uma lista detalhada das armas que precisavam para fazer o plano ser bem-sucedido, segundo o oficial ucraniano.

Armas específicas, como os sistemas de foguetes de artilharia de alta mobilidade, ou himars, estão surtindo um efeito desproporcional no campo de batalha. Cada foguete guiado por satélite disparado por esses veículos lançadores, chamados gmlrs, carrega uma ogiva com 90,7 quilos de explosivos; e eles foram nas semanas recentes pelas forças ucranianas para destruir mais de 400 depósitos de armas dos russos, assim como postos de comando e outros alvos do inimigo, afirmaram autoridades americanas.

Mais recentemente, as forças ucranianas instalaram mísseis ar-terra harm fornecidos pelos americanos em caças de combate MiG-29, de projeto soviético, o que nenhuma força aérea jamais havia feito. Os mísseis foram particularmente eficazes em destruir radares russos.

“Estamos vendo ganhos reais e mensuráveis da Ucrânia com o uso desses sistemas”, afirmou o general Milley semana passada na Alemanha, em uma reunião entre representantes de 50 países que ajudam a Ucrânia com assistência militar e humanitária. “Eles estão tendo grande dificuldade em reabastecer suas forças e repor baixas de combate.”

Autoridades ucranianas e americanas afirmaram que os anúncios agora semanais ou bissemanais do Pentágono sobre novos envios de armas e munições dos estoques americanos deram aos altos comandantes em Kiev confiança para planejar ofensivas complexas e simultâneas.

“A importância do apoio militar do Ocidente não se deve apenas a sistemas específicos de armamentos, decorre também da garantia e da confiança de que os ucranianos possam usá-los em planos futuros”, afirmou Jack Watling, pesquisador-sênior do Royal United Services Institute, em Londres, que retornou recentemente da Ucrânia.

À medida que os soldados ucranianos avançavam sobre regiões do nordeste ao longo do fim de semana, as forças russas tombavam. Em alguns lugares nas proximidades de Kharkiv, soldados russos simplesmente fugiram do front, deixando para trás equipamentos e munições, de acordo com autoridades de defesa dos EUA.

O ataque em Kherson não foi concebido como finta nem distração, de acordo com pessoas cientes do plano. E foi bem-sucedido em forçar Moscou a adiar plebiscitos fraudulentos que deliberariam a respeito de regiões de Kherson pretenderem ou não se juntar à Rússia. Mas, conforme o esperado, a contraofensiva está se movendo mais vagarosamente, dada a quantidade muito superior de forças russas por lá em comparação a Kharkiv.

As autoridades ucranianas acreditam que, eventualmente, seu sucesso a longo prazo requererá progresso sobre os objetivos originais da estratégia descartada, incluindo retomar a usina nuclear de Zaporizhzhia, isolar as forças de Moscou estacionadas em Mariupol e empurrar as tropas russas em Kherson de volta para o outro lado do rio Dnipro, afirmaram autoridades americanas.

A Rússia foi enfraquecida. Ao falhar em detectar a concentração ucraniana em torno de Kharkiv, o Exército russo demonstrou incompetência e provou que lhe falta informações concretas de inteligência. Seu comando e controle foi dizimado, e os russos estão com dificuldades para abastecer suas tropas, dando à Ucrânia uma janela nas próximas semanas, afirmaram autoridades americanas.

Ainda que a Ucrânia possa ter oportunidade de retomar mais território no leste, autoridades americanas e ucranianas afirmam que o sul é o teatro de guerra mais importante. “Kherson e Zaporizhzhia são provavelmente objetivos potenciais”, afirmou Michael Kofman, diretor para estudos sobre Rússia do CNA, um instituto de pesquisa em defesa. “Poderemos ver mais operações do Exército ucraniano para alcançar avanços por lá no futuro.”

O plano que emergiu das discussões no verão se valeu fortemente de informações de inteligência dos EUA e armamentos de alta tecnologia. Mas autoridades americanas insistem que o sucesso da ofensiva se deve completamente a Zelenski e ao Exército ucraniano, que acionaram uma força relativamente pequena em Kharkiv que conquistou um enorme sucesso. “Ninguém está cantando vitória ainda”, afirmou Kahl. Mas, acrescentou ele: “Acho que isso realmente mostra ao mundo que os ucranianos são capazes de conduzir ofensivas complexas.”

Com informações do The New York Times (Tradução de Guilherme Russo) .

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