Os baixos estoques de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) – avental, luvas, gorro e máscara cirúrgica descartável, entre outros produtos, como álcool gel 70% –, além do reduzido número de testes IGG, IGM, RT-PCR, para detecção da Covid-19, bem como a falta de medicamentos básicos para entubação e anestésicos na rede pública de saúde do Distrito Federal, chamaram a atenção dos participantes de audiência pública da Câmara Legislativa, na tarde desta sexta-feira (23).
Com base em dados da própria Secretaria de Saúde, o mediador da audiência, deputado Leandro Grass (Rede), destacou que alguns materiais que integram os EPI estão com os estoques zerados ou com baixa estimativa de reposição em várias unidades, como o Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), o Hospital de Brazlândia e o Hospital do Guará, e também nas UPAS de Santa Maria e de Ceilândia. Diante do cenário, Grass levantou uma série de questionamentos aos representantes do governo, como o porquê da doação de 10 mil luvas e 12 mil máscaras para o município de Corrente (PI). Ele solicitou ainda informações sobre a recomposição dos estoques de insumos, processos de aquisição para compra de testes, planos de vacinação contra a Covid-19 e a destinação do medicamento cloroquina, entre outros pontos.
Por sua vez, o deputado Fábio Felix (PSOL) ratificou que, em diligências da Ação Covid-19, reunindo diversas instituições, houve, desde o início da pandemia, a detecção da falta de insumos na Farmácia Central, a exemplo de medicamentos para sedação e entubação. Na avaliação de Felix, há falhas de planejamento e logística na gestão da Secretaria de Saúde, além de outros graves problemas, como as doações de EPI para a localidade piauiense, apesar da falta desses equipamentos no DF, e o superfaturamento na compra dos testes. Já o deputado Chico Vigilante (PT) salientou a dificuldade de testagem em trabalhadores da linha de frente no enfrentamento à Covid-19, como profissionais da limpeza e da vigilância, desde o começo da pandemia.
Em complemento, a deputada Júlia Lucy (Novo) citou a discrepância nos estoques de equipamentos comparando a Secretaria de Saúde e o IGES-DF, sendo que no instituto, em muitos casos, há o triplo de material. Segundo a deputada, a pasta não controla a cadeia de compras, suprimentos e distribuição. Por outro lado, ela considera que a cloroquina é uma questão polêmica e não prioritária neste momento, em que se impõem outros pontos, como a utilização de recursos públicos.
Denúncias ao Ministério Público
A falta de EPI e a má qualidade desses equipamentos suscitaram diversas denúncias junto ao Ministério Público do Trabalho do DF (MPT-DF), de acordo com a procuradora Renata Vieira. Ela mencionou, por exemplo, casos em que o trabalhador da saúde reutilizou a mesma máscara por até quarenta turnos seguidos por não haver o produto em quantidade suficiente. “Não se manda soldado para guerra sem fuzil e sem capacete”, comparou. Para a procuradora, os problemas que ainda não foram resolvidos nesses sete meses se somam à iminência de uma nova onda de Covid-19. Até agora, segundo Vieira, a condução foi apenas emergencial e não baseada em planejamento. Já a procuradora Claudia Fernanda, do Ministério Público de Contas do Distrito Federal, disse que o órgão, em atuação conjunta com o MPT-DF, “impediu o gasto de R$ 8 milhões com máscaras imprestáveis”. Ambas frisaram a baixa qualidade dos equipamentos adquiridos pelo GDF.
Na mesma linha, o presidente do Conselho Regional de Medicina, Farid Sánchez, insistiu no risco que os estoques mínimos e a má qualidade dos equipamentos representam para os profissionais de saúde. E a presidente do Conselho de Saúde do DF, Jeovânia Rodrigues, relatou que houve, num primeiro momento, “um desespero” por parte dos trabalhadores na busca por EPI, faltando inclusive orientação quanto ao uso desses equipamentos. Por isso, enfatizou a necessidade de capacitação permanente e continuada dos trabalhadores, especialmente, diante das novas rotinas impostas pela pandemia.
Presidente da Comissão de Direito à Saúde da OAB-DF, Alexandra Moreschi narrou visita que fez, ao lado de Jeovânia Rodrigues, à Farmácia Central em junho passado, quando foi detectada falta de medicamentos. Em setembro e outubro, segundo ela, houve denúncias também sobre a ausência de previsão de compras para reposição desses insumos. Também da OAB-DF, o presidente da Comissão de Combate à Corrupção, Luis Claudio Landers, criticou a destinação de EPI ao município piauiense diante das condições dos estoques no Distrito Federal e qualificou de “assustador” o quadro local relacionando-o a uma nova onda de Covid-19, uma vez que “a saúde pública está chegando ao colapso”. Ele defendeu que seja instalada a CPI da Saúde na CLDF para aprofundar a questão.
Respostas da Secretaria e IGES-DF
Em nome do IGES-DF, a gerente de Insumos Farmacêuticos, Laura Mendonça de Paula, disse que o abastecimento dos itens de EPI está garantido pelos próximos trinta dias e acrescentou que a página do instituto é atualizada diariamente no que tange a compras e estoques. Ela argumentou que os equipamentos são submetidos à avaliação técnica das equipes de enfermagem e da segurança do trabalho, para assegurar a qualidade nos processos de aquisição. Por sua vez, o superintendente adjunto administrativo do IGES-DF, Carlos Fernando Del Sasso, acrescentou que, embora esteja há menos de dois meses no cargo, sua preocupação é “a melhoria de gestão”.
Já o subsecretário de Logística em Saúde, Artur Brito, há menos de um mês na função, admitiu desconhecer o porquê das doações de EPI à cidade de Corrente. Ao mencionar que é enfermeiro do HRAN, disse que o intuito, agora, é melhorar o planejamento, inclusive quanto aos estoques de insumos, a fim de enfrentar uma possível segunda onda.
Ao responder às indagações dos deputados sobre os testes, o secretário adjunto de Assistência à Saúde, Petrus Barron, informou que todos os processos de aquisição da gestão anterior foram suspensos pelo Tribunal de Contas. E acrescentou que o Ministério da Saúde doou 15 mil testes para abastecer o DF. Sobre a cloroquina, ele afirmou que o medicamento poderá ser destinado a outras enfermidades.
Em resposta aos cidadãos, que participaram do debate pelo e-Democracia e pelo canal da CLDF no YouTube e indagaram sobre a vacinação contra a Covid-19, os secretários adjuntos informaram que a orientação da Secretaria de Saúde é seguir as políticas públicas do ministério, sendo que caberá à pasta local cuidar do armazenamento das vacinas. Ao final, os participantes fizeram uma série de sugestões para melhorar a gestão e o atendimento na saúde pública, como o monitoramento constante dos estoques de insumos nas unidades de saúde do DF.
O encontro desta sexta-feira, transmitido ao vivo pela TV Web CLDF e pelo canal da Casa no Youtube, faz parte do ciclo de debates “De olho na saúde”, criado pelo deputado Leandro Grass, no qual são abordados temas ligados à saúde pública do Distrito Federal a fim de dar mais transparência aos processos e fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS). O ciclo, que chegou à terceira semana consecutiva, já tratou dos hospitais de campanha, do IGES-DF e, hoje, dedicou-se aos insumos. No próximo dia 6, discutirá, em audiência pública, a gestão dos leitos de UTI.
Franci Moraes
Fotos: Reprodução TV Web CLDF
Núcleo de Jornalismo – Câmara Legislativa