O setor de educação foi um dos mais afetados pela crise do coronavírus, mas uma empresa conseguiu arrancar um crescimento em 2020
A Ser Educacional (SEER3) viu o lucro crescer 21% no acumulado. Enquanto isso, suas rivais Cogna (COGN3), Ânima (ANIM3) e Yduqs (YDUQ3) tiveram alta no prejuízo ou queda no lucro.
De maneira geral, analistas gostaram do que viram, mas não há como ignorar os impactos da Covid. A base de alunos presencial caiu 10% no trimestre, para 137 mil alunos. Apesar disso, eles são unânimes em elogiar o forte crescimento do ensino a distância (EAD), que saltou 71%, atingindo 54 mil alunos.
Mesmo assim, a Ágora Investimentos pondera que o desempenho fraco no segmento presencial apaga o brilho do EAD.
Em conversa com o Money Times, o diretor de relações com investidores da Ser, Rodrigo de Macedo Alves, destacou o grande salto que o segmento deu no resultado final da companhia.
” O nosso Ebitda do digital acumulado do ano foi de R$ 38 milhões de um Ebitda total de R$ 317 milhões, ou seja, em torno de 12% do Ebitda total. Há um ano atrás ele era 5% e no trimestre ele passou a ser 20%. Então ele está crescendo mais de 60% ao ano”, afirma.
Para o CEO da Ser, Jânyo Diniz, o ensino como conhecíamos antes da pandemia não será mais o mesmo.
“Para você ter ideia, no nosso caso, a gente esperava atingir a metade da nossa base de alunos em mais de cinco anos de EAD. Esse ano é o primeiro ano que a gente está captando mais alunos de EAD do que presencial. O ensino presencial puro não vai existir. Vai ser o ensino híbrido e o digital”, destaca.
Agora, a empresa pretende dar continuidade ao seu marketplace da educação, que promete reunir a oferta de diferentes cursos em uma única plataforma.
“A gente gosta de brincar que nós vamos ser o Trivago Expedia da educação. Nós vamos oferecer todos os produtos do nosso ecossistema de educação digital, mais o presencial e o híbrido”, afirma Diniz.
Apesar disso, o executivo vê com preocupação a segunda onda da Covid, mas acredita que a vacinação em massa dará esperança para o retorno à normalidade das salas de aula.
“A nossa expectativa é de que haja um retorno no pós aumento de vacinação, o que não significa que nós esperamos o retorno formal de todos os alunos no primeiro semestre. Isso eu acho difícil”, observa.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
MT: A segunda onda da Covid preocupa? Ela pode ser pior que a primeira?
Jânyo Diniz: Sim, claro. Nós fomos uma das primeiras instituições a começar a parar as unidades. Naquele momento nossa expectativa era de que a gente parasse 15 dias, talvez um mês. Tomamos todas as medidas necessárias para que os alunos continuassem seguindo a mesma rotina em casa, com o mesmo professor, com os mesmos colegas de sala de aula, mesma turma, mesmo conteúdo.
A nossa expectativa é de que haja um retorno no pós aumento de vacinação, o que não significa que nós esperamos o retorno formal de todos os alunos no primeiro semestre. Isso eu acho difícil, até porque a vacina não está acontecendo.
Nós fizemos uma pesquisa essa semana em Recife para entender o que a sociedade e o que os alunos pensavam em termos da Covid e qual sua expectativa. E para nossa surpresa, 60% da população apoia o isolamento, assim como os alunos.
Uma outra preocupação é que os trabalhadores da educação, em geral, não foram colocados nos grupos prioritários de vacinação até agora, exceto por São Paulo.
Eu sou presidente do sindicato das Instituições de Ensino Superior de Pernambuco. Nós fizemos um apelo ao governo do estado de Pernambuco para que isso acontecesse, para facilitar o retorno. Mas até agora isso não aconteceu.
A nossa expectativa é manter a rotina do ensino remoto, mais o ensino prático e presencial durante esse semestre, dado que a expectativa e as informações divulgadas aqui é que, teoricamente, até agosto a população acima de 20 anos seria toda vacinada, quando seria seguro o retorno às aulas. Então nós temos uma preocupação similar a que tínhamos no passado.
No entanto, olhando para o futuro a gente vê uma luz no fim do túnel, com uma massa significativa dos nossos alunos acima dos 90% vacinado, o que reduziria muito risco de que a contaminação acontecesse dentro das dependências das instituições de ensino. Os nossos professores certamente têm mais de 25 anos, então todos eles teriam sido vacinados também.
Essa situação da Covid me preocupa bastante, principalmente pelos aspectos econômicos e sanitários, pelo que pode acontecer em termos de pessoas afetadas, pessoas doentes.
Mas no que diz respeito ao modelo educacional, estamos preparados para atender essa nova realidade de mercado, eu estou muito mais tranquilo, dado tudo aquilo que a gente pensou e preparou esse ano para seguir esse caminho.
MT: Quais são os principais planos da Ser para superar os problemas provocados pela Covid no setor?
Jânyo Diniz: A gente gosta de brincar que nós vamos ser o Trivago Expedia da educação. Nós vamos oferecer todos os produtos do nosso ecossistema de educação digital, mais o presencial e o híbrido.
Além disso, nós estamos fazendo aquisições de edtechs que complementam o nosso portfólio de produtos e até que complemente a nossa capilaridade em termos de produtos digitais de instituição.
A gente fez a primeira aquisição da edtechs chamado de Veduca, que tinha perto de 800 mil visitantes únicos por mês, uma geração de lides fantástica. Ele basicamente ensina o aluno a escolher a profissão e a escolher a instituição de ensino que ele quer, adequada a região onde ele mora. Nós temos uma série edtechs em avaliação.
Nós fizemos cinco aquisições no ano passado. Continuamos em um processo de avaliação. Temos um pipeline extenso de aquisições de editechs de educação. Nós operamos com todas as nossas marcas com EaD. Então a gente é uma instituição multimarca por uma razão muito simples: o aluno confia na marca onde ele estuda. A competição pelo ensino superior no Brasil sempre foi local, o Brasil não tem uma marca nacional.
A gente também praticamente duplicou as nossas vagas de medicina no ano passado. Todas as marcas que gente adquiriu são as marcas mais fortes da região onde ela atua, o que nos ajuda a entrar no mercado, a interiorizar mais a nossa posição com marcas fortes.
Houve uma mudança significativa na cultura das pessoas.
Nós mudamos o modelo de ensino com foco no aprendizado do aluno. A gente fez um projeto com educação onipresente em que o ensino está focado no aprendizado do aluno. O aluno passa a ter os conteúdos disponíveis onde ele estiver.
O que a gente entendeu é que o aluno de ensino a distância acaba tendo muito mais conteúdo disponível 24 horas por dia.
O aluno em sala de aula tem o professor que ensina, mais os livros indicados. O aluno do ensino a distância tem tudo isso e mais conteúdo disponível nas plataformas de ensino que são colocados pelas instituições.
Nós estamos nos preparando para que o nosso aluno possa assistir aula onde quiser, quando ele quiser, exceto as aulas práticas.
Estamos começando um processo de instalar câmeras em todas as salas de aula. Então a aula que o professor estiver dando ela vai ser transmitida em tempo real para os nossos alunos. Significa que aquele aluno que estiver em casa por alguma razão não precisa mais perder aula. Então o ensino passa a ser híbrido completamente.
A gente faz um investimento significativo para isso. Acaba sendo um pouquinho mais caro para a gente, mas eu acredito que o aluno vai ficar muito mais satisfeito.
Nós mudamos a nossa matriz de produtos. Nosso portfólio de produtos foi alterado. Uma das instituições que nós tivemos, a Joaquim de Nabuco, em Recife, ela passou a ser uma instituição 100% digital. Nós tínhamos em torno de 4 mil alunos quantos anos essa mudança aconteceu. Hoje a gente tem muito mais alunos do que isso.
E criamos cursos novos, focado no momento de mercado, no que o mercado demanda. Um curso que é customizado para necessidade do aluno e da empresa. O modelo de ensino a distância permite isso.
Nós também começamos a reduzir o tempo de duração dos cursos. Cursos de 4 anos passaram a ter 36 meses no modelo a distância de 24 meses passaram a ter 18 meses. Com o modelo semipresencial a gente consegue customizar a necessidade do aluno.
Aliado a tudo isso, a gente pensou em criar um ecossistema de educação digital. Esse ecossistema ele vai oferecer cursos regulados, a gente tá falando aí de graduação, pós-graduação, cursos técnicos, outros cursos regulados pelo Governo Estadual e Federal e cursos livres que atendam a necessidade de atualização e aprimoramento profissional imediato. Então a pessoa pode fazer o redirecionamento profissional com um curso de 18 meses e em seguida ele pode fazer outro curso com mais seis meses de duração.
O ensino evoluiu 5 anos em um ano.
MT: O ensino a distância veio para ficar?
Jânyo Diniz: Olha é irreversível o que está acontecendo. O ensino a distância (EAD) veio para ficar. Havia uma certa restrição ao EAD. Todas as instituições presenciais estão fazendo hoje, inclusive as locais. Houve uma mudança cultural forçada que aconteceu nesses 12 meses de isolamento de pandemia que não tem mais retorno.
Nesse período todas as instituições de ensino evoluíram 5 anos em 1 ano, o que melhorou muito a qualidade da maior parte dos produtos.
É claro que ainda tem muita gente que acha que PDF é ensino a distância ou porque acha que um um vídeo gravado de 2 ou 3 horas também ensino a distância. O ensino a distância evoluiu, ele mudou. O aluno ele quer ver vídeos curtos, ele quer ler, quer fazer jogo, ele quer fazer um quiz, ele quer discutir com os colegas, quer fazer um trabalho, um teste.
Essa evolução trouxe um nível de engajamento e de integração do aluno com o modelo de ensino a distância muito forte.
Para você ter ideia, no nosso caso, a gente esperava atingir a metade da nossa base de alunos em mais de cinco anos de EAD. Esse ano é o primeiro ano que a gente está captando mais alunos de EAD do que presencial. O ensino presencial puro não vai existir. Vai ser o ensino híbrido e o digital.
MT: Como a empresa está lidando com a queda acentuada de alunos do Fies dos últimos anos?
Jânyo Diniz: Vou dizer a mesma coisa que eu digo há 5 anos desde que em 28 dezembro 2014 mataram o Fies. Ele foi muito importante como mudança cultural para o brasileiro entender que podia estudar, mas a performance da economia é mais importante do que o Fies.
No mundo inteiro, o ensino superior cresceu com pleno emprego ou com financiamento estudantil. Se o emprego acontecer, o aluno vai estudar. Agora se ele está desempregado e não tem financiamento aí não tem como bancar a própria educação.
Mas a nossa base de alunos do Fies vem caindo bastante e ela deve cair mais um pouco. A gente não está muito preocupado com Fies, até porque nós arrumamos alternativas para continuar com o crescimento da base aluno ou manutenção da base alunos independente dos alunos do Fies.
Nós sempre pensamos que os Fies teria um limite. Não que seria em 2014, mas que isso aconteceria algum tempo depois. Viemos nos preparando para aumentar nossa base de alunos.
A gente cresceu muito a nossa base aluno de saúde, a gente vem reduzindo a dependência de cursos específicos e aumentando a quantidade de custos. Reduzindo a dependência de unidades específicas. Recife, até que foi a nossa origem, já chegou a ser nosso 50% da nossa base de alunos, hoje é muito menor novo.
A gente está aumentando a nossa capilaridade en termos de unidade para ter dependência menor de cada uma das unidades. As ações que nós temos feito é deixar de ser dependente de um curso específico.
E hoje nós não somos mais nem dependente de ensino presencial, ou não vamos ser nos próximos dois anos, e também não queremos ser dependentes só do ensino a distância. Por isso é que o sistema de educação digital vai ser o portão de entrada para nós e para outras instituições de ensino.
Fonte: Money Times