A retomada das atividades nestas áreas deve ser lenta e requer criatividade e novos investimentos
Marcílio Souza
O advento do novo coronavírus a partir da China e a sua expansão para cerca de 213 países e territórios mundo afora, além de alterações nos cotidianos sociais, promoveu estragos econômicos, insegurança, sofrimento, mortes e estagnou o turismo e o lazer, nacionais e internacional.
Sabemos que os fluxos de pessoas entre as nações em um mundo globalizado, tanto em função de interligações econômicas como devido ao turismo, contribuíram decisivamente para a disseminação do novo coronavírus. Entretanto, o retorno aos patamares atingidos no final de 2019 deve demorar, se é que será retomado algum dia. Novas relações comerciais/econômicas, novos destinos turísticos e formas de exploração deles serão delineados com o passar do tempo.
Com o fechamento de fronteiras internacionais e, ainda, por meio da diminuição, ou proibição, de trânsitos internos de pessoas, até pela criação de barreiras para visitantes em cidades turísticas, bem como os estímulos ao isolamento e lockdown, os setores de turismo, lazer e diversão ficaram paralisados por mais de 3 meses, consistindo em uns dos mais afetados com as restrições de atividades econômicas durante a pandemia.
Para se ter uma ideia da importância do turismo para a sociedade em geral, o Relatório de Impacto Econômico 2020 do Conselho Mundial de Viagens de Turismo – WTTC aponta que em 2019 o setor participou com 10,3% do PIB global e foi responsável por um em cada 10 empregos no mercado mundial. Somente no Brasil, o Turismo movimentou R$ 238,6 bilhões em 2019, aumento de 2,2% em relação ao ano anterior, segundo levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC, que também indicou a criação de 35.692 novos postos de trabalho em 2019.
Avaliação da Organização Mundial do Turismo – OMT/ONU estima perdas de até US$ 3,3 trilhões de dólares, se as restrições as atividades ligadas ao turismo permanecerem por 1 ano. A OMT calcula ainda, que a queda da demanda de viagens internacionais, em especial, poderia representar uma perda de entre 850 milhões e 1,1 bilhão de viajantes. No Brasil, a CNC estima perdas de quase R$ 90 bilhões em três meses, com a eliminação de 727,8 mil postos de trabalho até o fim do mês de junho de 2020.
No mesmo sentido, a nova pesquisa Pulso Empresa do IBGE traz que 39,4% das empresas com atividades encerradas, temporária ou definitivamente, na primeira quinzena do mês de junho/2020 apontaram como causa as restrições impostas pela pandemia em decorrência do novo coronavírus. Segundo o levantamento, empresários do setor de serviços, onde estão inclusas as atividades de hospedagem, de turismo, dos bares e dos restaurantes, declararam que a pandemia tem efeito negativo para 74,4% das empresas; maior percentual entre os segmentos econômicos.
Da mesma forma que é difícil a criação de um novo destino turístico, bem mais do que a própria entrada em decadência, em decorrência do surgimento de novos destinos ou falta de investimentos para a manutenção de turistas no local, a retomada do fluxo de pessoas após o advento de uma pandemia viral, causadora de infecções respiratórias, ainda sem um tratamento confirmado ou uma vacina, tende a ser lenta e gradativa. Muitos países ainda devem manter restrições ao fluxo de pessoas por algum tempo. Internamente, os brasileiros terão que estabelecer confiança para se aventurarem em roteiros turísticos e mesmo em atividades de lazer e diversão.
De norte a sul, leste a oeste, as informações e notícias que chegam afirmam a elevada demissão de trabalhadores em bares, restaurantes e operadoras de turismo, bem como salientam a respeito do fechamento de inúmeras empresas destas áreas. A mais de três meses sem funcionamento pleno, ainda com datas incertas para a reabertura em muitas localidades e a falta de certeza em relação ao retorno de clientes, os estabelecimentos destes setores estão entre os mais prejudicados com a pandemia, apesar de decretos benéficos e ajudas governamentais. Algo que ocorreu com menos transtornos em muitos outros países, em decorrência de decisões técnicas acertadas, respaldadas em dados confiáveis e sem vieses políticos e ideológicos.
As empresas de transporte de pessoas, especialmente as aéreas, mas sem esquecer as de ônibus entre cidades e estados, são um caso a parte nesse período de pandemia. No Brasil e em outras partes do mundo as empresas de transporte aéreo de pessoas só irão sobreviver com ajudas dos governos, inclusive por meio da aquisição de parte das empresas. O trânsito internacional de pessoas deve levar muito tempo para se normalizar, para atingir os patamares dos últimos meses do ano passado e do início deste.
Empresários e especialistas visualizam como uma das alternativas para a recuperação do setor de turismo brasileiro a valorização inicial dos destinos internos: locais, regionais e nacionais; inclusive por meio de incrementos na exploração do ecoturismo.
Em outra perspectiva, até pouco tempo era difícil imaginar cidades turísticas como Hong Kong (26,7 milhões de chegadas de visitantes externos em 2019), Bangkok (25,8), Macau (20,6), Singapura (19,7), Londres (19,5), Paris (19,1), Nova Iorque (14,0), Tóquio (10,4), Roma (10,3) e, até, Rio de Janeiro (2,3), dentre outras, sem a chegada e saída de visitantes estrangeiros. O novo coronavírus fez isto. Parou o fluxo de pessoas entre as nações e, ainda, internamente. Causando elevados prejuízos.
Uma simples olhada nesses dados de circulação de pessoas nos leva a descartar a tese de que o coronavírus se espalhou mais rapidamente entre nações que mantinham fluxos de pessoas ativos. Basta verificar a quantidade de pessoas que costumavam visitar algumas cidades asiáticas, primeiras do ranking há alguns anos, e o baixo número de casos e óbitos nesses locais. O fluxo de pessoas não deve ser o único e principal fator de expansão do novo coronavírus.
Quando visitei alguns países europeus na virada de 2019 para 2020 foi possível perceber a pulsação dos fluxos de visitantes, maior até que em momentos anteriores que estive nesses lugares. Em Londres e Paris era mais fácil estabelecer contatos com visitantes do que com nativos, da mesma forma que se escutava mais sotaques de estrangeiros falando inglês e outros idiomas do que as línguas e pronuncias locais. Diversas regiões de grandes cidades européias eram comumente tomadas por turistas e migrantes de outras nacionalidades; não consigo pensar nesses centros urbanos sem os turistas.
Na mesma viagem, em rincões da Espanha, da França, da Itália e de Portugal foi possível perceber tanto o interesse de produtores de vinho e azeite no atual e promissor mercado consumidor brasileiro, como o entusiasmo de muitos com as vendas, inclusive por meio de exportação, e com as visitas de brasileiros nas propriedades. Para parte deles o brasileiro é visto como grande consumidor e potencial comprador de alimentos e produtos nos restaurantes e lojas das vinícolas.
Os produtores que exportam e comercializam à distância não devem está sofrendo tanto com a pandemia, mas os que dependem de vendas diretas de produtos e serviços estão, possivelmente, enfrentando dias difíceis, em toda Europa, bem como em outras partes do mundo. Não foram raros os produtores, especialmente os menores, que declararam a dependência dos turistas para o sucesso de seus negócios.
Mudando de assunto, vale ressaltar que os poucos dados confiáveis sobre a COVID-19, devido à elevada politização da pandemia mundo afora, indicam que os mais afetados pelos sintomas da doença foram pessoas com mais idade e com comorbidades, ou seja, com uma ou mais doenças que facilitam as complicações relacionadas à COVID-19.
Assim, o ideal é que as pessoas mantenham se fortes, com o sistema imunológico preservado. O lazer, as atividades físicas e boa alimentação, sem excessos, inclusive no consumo de álcool, tornaram-se essenciais para o enfrentamento do novo coronavírus. Mas nem todos gestores públicos e líderes políticos se atentaram para isso. Por quê?
Por outro lado, como era de se esperar, o mercado de entrega de alimentos e refeições, bem como o de bebidas, dentre outros, aumentou bastante neste período de pandemia e de isolamento social. Em casa, com mais tempo entre os afazeres do home office ou sem nada para fazer mesmo, as pessoas se entregam aos prazeres alimentares e das bebidas. A elevação do consumo de bebidas alcoólicas durante a pandemia, verificada em levantamentos (inclusive o publicado na revista Alcohol and Drug Review) e pelo acréscimo na procura de ajuda no grupo Alcoólicos Anônimos, deve ser vista como um problema de saúde pública e tem aumentado a preocupação de médicos e de profissionais que atendem os que abusam do uso. Fica a expectativa sobre um balanço posterior à pandemia para se perceber os danos causados pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas nesse período.
A Organização Mundial da Saúde – OMS, que defende o isolamento social e o próprio lockdown como medidas de prevenção ao novo coronavírus, baseada nas obscuras diretrizes chinesas, apesar das diversas experiências negativas dos que adotaram essas medidas mundo afora e promoveram elevados números de mortes, chega a recomendar a limitação de venda de bebidas alcoólicas, o que apesar de, possivelmente, proporcionar benefícios, entra em conflito com a máxima “fique em casa”, bebendo, comendo, sem se movimentar e gerando mais infecções, nos ambientes fechados e normalmente sem uso de equipamentos de prevenção, prediletos por vírus.
Em muitos estados brasileiros os bares e os restaurantes permaneceram fechados por meses, mas com permissão para vendas por entrega, de comidas e bebidas. Nos supermercados, em lojas especializadas e pela internet a venda de bebidas alcoólicas ocorreram normalmente na maioria das localidades.
Para profissionais atuantes com distúrbios mentais e de personalidade, as pessoas tendem a substituir os prazeres em momentos de crise e restrições. Na medida que os bares e restaurantes foram fechados e o sofrimento com a pandemia aumentaram, os indivíduos inclinam para a busca de prazer com outras atividades possíveis, até para justificar as perdas. Assim, o caminho ficou pavimentado para a elevação do consumo de álcool, e mesmo de outras drogas, licitas ou não, em casa, em ambiente onde os controles são menos eficientes.
Vale ponderar, que muitos dependentes químicos tiveram seus tratamentos suspensos em decorrência das ameaças da pandemia e, até, justificam algumas práticas e excessos em função das condições impostas pela própria restrição de saúde pública, protelando o controle e o tratamento para momentos posteriores.
Na contramão da liberação geral das bebidas alcoólicas durante a pandemia, a patrulha ideológica do politicamente correto passou a perseguir artistas que consomem bebidas durante as corriqueiras lives e, segundo os censores de plantão, estimulam o uso e o abuso de bebidas alcoólicas. O certo é que os fabricantes de bebidas são os patrocinadores de muitas apresentações musicais e os maiores interessados na elevação da ingestão.
Historicamente, o consumo exagerado de álcool eleva os conflitos, quer em casa ou em ambientes externos. O excesso pode trazer desequilíbrio mental e físico, além de outros transtornos, como impulsividade, agressividade, intoxicação, problemas circulatórios, atritos sociais, dentre outros. O confinamento em casa, por vezes regado com bebidas alcoólicas, possivelmente, tem promovido inúmeras desavenças familiares e sociais. O reflexo disto virá com o tempo.
Devemos ainda ter em mente que o excesso no consumo de álcool potencializa a baixa do sistema imunológico do indivíduo, contribuindo para a maior possibilidade de infecção pelo novo coronavírus e deixando as pessoas infectadas mais susceptíveis aos efeitos do vírus. Nesse sentido, parece que a liberação do álcool, assim como o isolamento, foram pensados para elevar o número de casos e de mortes. Será?
Tudo estaria normal se a opção por isolamento tivesse sido a vertical e os bares e restaurantes permanecessem abertos, apenas com restrições de aproximação aquém a 1,5 metros. Os números de casos e de mortes indicam a ineficiência do isolamento, em detrimento das medidas mais eficientes adotadas por alguns países com menos óbitos.
Tratando especificamente do mercado do vinho no Brasil, percebe-se uma grande expansão durante a pandemia, tanto por meio da elevação das vendas nos supermercados como por meio da internet (especialmente com a elevação da adesão de novos inscritos nos clubes de vinho), algo que surpreendeu os comerciantes e especialistas. A concentração em casa parece ter estimulado a promoção de ambientes intimistas e reflexivos do consumo da bebida.
Nos quatro primeiros meses do ano, as vendas de vinhos brasileiros aumentaram em 39%, quando comparadas com as do mesmo período de 2019, segundo a Associação Brasileira de Sommeliers – ABS/RS; até em decorrência da disparada de preços dos importados devido a elevação da demanda geral. Foram comercializados 4,4 milhões de litros de vinhos nacionais no primeiro quadrimestre de 2020 de um montante de 35 milhões de vinhos finos vendidos, nacionais e importados (incremento de 10% em relação ao mesmo período do ano anterior). No total, somando os vinhos de mesa, comercializou-se 97 milhões de litros, de diversas nacionalidades, 21% a mais.
Outro ponto importante a ser considerado nesse processo de fechamento de atividades comerciais, especialmente dos bares e restaurantes, diz respeito ao aumento das entregas pelos profissionais da área. Por muitos dias, os entregadores, em motos, bicicletas, carros, esqueites e a pé, dominaram as ruas das cidades. Percebendo o momento de elevação das demandas e da expansão do mercado, profissionais de entregas passaram a fazer reivindicações aos seus contratantes, sem entrar no mérito delas serem justas ou não.
Voltando para a questão do retorno das atividades de turismo, o WTTC criou, recentemente, o selo destino seguro, para rotular destinos turísticos que adotaram protocolos de saúde e higiene eficientes contra o novo coronavírus. Na realidade, o lançamento de um selo dessa natureza indica o problema de credibilidade a ser enfrentado pelos viajantes nos próximos meses e anos. O certo é que o novo coronavírus tem elevado poder de infecção e medidas individuais, como lavar as mãos, usar álcool gel e máscaras, além do distanciamento social, têm se mostrado eficientes mundo afora, bem como em outras experiências com vírus.
Alterando o assunto, uma rápida análise na distribuição dos casos e óbitos por COVID-19 em regiões do mundo, disponível na plataforma de internet da OMS sobre o novo coronavírus, tanto nos indica as regiões mais atingidas até o momento como nos promove dúvidas e inquietações.
Os casos e mortes estão assim distribuídos (16/07/2020): Américas (7.016.851 / 294.301); Europa (2.964.046 / 204.449); Eastern Mediterranean (1.331.893 / 32.776); South-East Asia (1.268.923 / 31.297); Africa (506.124 / 8.650); Western Pacific (249.786 / 7.833). Por quê? Os países mais populosos do mundo não contribuíram para elevar o numero de casos e óbitos de uma região específica? Os fluxos de pessoas nos meses iniciais da expansão do novo coronavírus contribuiu para este cenário? O que ocorreu nos principais focos de turistas no mundo? O novo coronavírus é seletivo? As formas de enfrentamento do novo coronavírus foram decisivas para a diminuição de casos e mortes? Características raciais interferem na disseminação (mesmo com a grande incidência de mortes no Brasil entre pobres e negros)? Ou, o cenário de disputas econômicas e políticas interferiu no processo de disseminação?
Considerando os 85.897 casos de COVID-19 e os 4.651 óbitos na China e, até, os 968.876 casos e as 24.915 mortes na Índia, os dois mais populosos países do mundo, torna-se imprescindível saber como realmente agiram estes países no enfrentamento do novo coronavírus. Especialmente quando já sabemos que o isolamento ou lockdown indicados pela China e apoiado pela OMS não funcionou na maioria dos países.
De antemão, sabemos que os resultados do enfrentamento e os números de casos e mortes vão influenciar nos destinos turísticos do processo de abertura que se inicia em partes específicas do mundo. Alguns importantes destinos turísticos estão limitando a entrada de turistas, liberando apenas para turistas de algumas nacionalidades, já nos recentes processos de abertura das atividades. Essa deve ser a lógica da retomada do turismo nos próximos meses.
Fica a certeza de que a pandemia promoveu limites nas atividades cotidianas das pessoas. Tanto a ida a um bar ou restaurante, como a frequência em eventos sociais, além da possibilidade de viajar e das praticas de lazer e diversão são partes constituintes das vidas das pessoas e, a impossibilidade dessas atividades requer, impreterivelmente, as suas substituições. Muitos, buscaram no álcool uma válvula de escape. Outros se jogaram nos excessos alimentares. Alguns não saíram de frete da televisão e das telas de computadores e celulares. A ansiedade aumentou e muitos entraram em crise, elevando, inclusive, o número de suicídios e de desavenças familiares.
Os prejuízos dos setores de turismo, lazer e diversão ainda estão em curso, por serem os últimos a promoverem a retomada das atividades. No Brasil, ainda convivem com indecisões e disputas políticas, que só elevam as perdas e incertezas. Só com o tempo vai se saber em qual patamar será o retorno, bem como os valores finais da ruína.
De fato, perversidade é o melhor nome para descrever atos e ações dos que investiram na pandemia para se ter ganhos políticos, econômicos e na expansão de ideologias, em detrimento de perdas e danos aos povos. Os bons historiadores deverão trazer luzes e retratos sobre os acontecimentos. A humanidade pede e necessita.
Marcílio Souza é sociólogo e jornalista, mestre e doutor em comunicação.