O índio executado a tiro de canhão tido como ‘primeiro mártir da homofobia no Brasil’ e existe um movimento que pleiteia a sua canonização.
Em 1614, um índio tupinambá foi executado, com a anuência de religiosos da Igreja Católica em missão no Brasil, por conta de sua orientação sexual. Conhecido como Tibira do Maranhão — tibira é um termo utilizado por indígenas para se referir a um homossexual —, seu caso é o primeiro registro de morte por homofobia no Brasil. Ativistas LGBT querem que o personagem seja reconhecido como mártir e fazem campanha para divulgar a história.
A história de Tibira do Maranhão foi resgatada pelo sociólogo e antropólogo Luiz Mott, professor da Universidade Federal da Bahia e fundador da organização não-governamental Grupo Gay da Bahia. Seis anos atrás ele publicou um livreto chamado São Tibira do Maranhão Índio Gay Mártir, com o relato da execução do personagem histórico e uma contextualização do caso.
A execução
No seu livreto, Mott atenta que a narrativa do frade escancara “a visão altamente etnocêntrica e o preconceito da moral cristã contra a sodomia, além de sua ardilosa tentativa de justificar eticamente a pena de morte contra o infeliz selvagem pecador”. “Um pobre índio (sodomita), bruto mais cavalo do que homem, fugiu para o mato por ouvir dizer que os franceses o procuravam e aos seu semelhantes para matá-los e purificar a terra de suas maldades por meio da santidade do Evangelho, da candura, da pureza, e da clareza da religião Católica Apostólica Romana”, relatou d’Évreux.
“Apenas foi apanhado, amarraram-no e trouxeram-no com segurança ao forte de São Luís, donde deitaram-lhe ferros aos pés; vigiaram-no bem até que chegassem os chefes principais de outras aldeias para assistirem ao seu processo e proferirem sua sentença e sua morte, como fizeram afinal. Não esperou o prisioneiro pelo princípio do processo e ele mesmo sentenciou-se, porque diante de todos disse: ‘Estou morto, e bem o mereço, porém desejo que igual fim tenham os meus cúmplices’.”
Quando os capuchinhos franceses chegaram ao Brasil, portanto, já estava consolidada essa imagem de que era preciso “purificar a terra de suas maldades”. Catequizados pelos religiosos, os próprios indígenas se tornaram aliados nesta missão. D’Évreux relata que após ser sentenciado, Tibira teve o direito de pedir para ser batizado — o argumento era que, se ele aceitasse, “apesar de sua má vida passada, iria direto para o Céu apenas se sua alma se desprendesse do corpo”. O frade conta que, temendo uma repercussão negativa, como se estivesse endossando a execução, resolveram que não seria conveniente que ele próprio o batizasse.Assim, instruiu o carrasco para que o fizesse, “antes de ir ao suplício sem as cerimônias da Igreja”
“Recebeu o batismo com tranquilidade e sem tristeza, na presença dos principais selvagens, depois do que um dos principais, chamado Caruatapirã, lhe disse estas palavras: ‘Tens agora ocasião de estares consolado e de não te afligires, pois presentemente és filho de Deus pelo batismo que recebeste (…) com permissão dos padres”.
Tibira foi levado a um canhão instalado na muralha do forte de São Luís. Amarram-no pela cintura à boca da arma. Quando lançaram fogo, “em presença de todos os principais, dos selvagens e dos franceses (…), imediatamente a bala dividiu o corpo em duas porções, caindo uma ao pé da muralha, e outra no mar, onde nunca mais foi encontrada”, registrou o frade. Mott atenta para o fato de que não há notícia no Brasil de nenhum outro condenado que tivesse sido executado assim, na boca de um canhão.
A execução
Para o Grupo Gay da Bahia, reside neste fato o principal argumento que permitiria qualificá-lo como santo mártir: assim como o “bom ladrão” foi posteriormente reconhecido como santo, o mesmo deveria ocorrer com o indígena