Mudanças climáticas: audiência pública discute impactos ambientais no DF


A Câmara Legislativa realizou audiência pública, na noite de ontem (18), para debater os efeitos das mudanças climáticas no Distrito Federal. Presidido pelo deputado Ricardo Vale (PT), o encontro reuniu especialistas que apresentaram os problemas ambientais enfrentados no DF e sugeriram medidas preventivas para reduzir os impactos do aquecimento global e da escassez hídrica na região.

Em fala de abertura, Vale destacou que a urgência da iniciativa é baseada nas recentes inundações que destruíram mais de 80% dos municípios do Rio Grande do Sul e colocaram o Brasil em estado de alerta quanto às consequências de eventos extremos. Segundo o parlamentar, a tragédia que assolou o sul do país leva a pensar em futuras perturbações ambientais no DF, afetando principalmente o cerrado. 

O distrital ressaltou a importância do Estado na contenção dos danos climáticos por meio de políticas públicas efetivas. Vale também citou algumas dificuldades enfrentadas no DF durante os períodos de chuva, como a falta de sistemas de drenagem. “É preciso uma política pública para fazer projetos de captação de água da chuva sob pena de, daqui a pouco, vivermos tragédias como a situação do Rio Grande do Sul”, enfatizou.

 

Urgência ambiental

 

Assessora de relações institucionais do Observatório do Clima (OC), Mariana Lyrio reforçou a urgência de mitigar os eventos climáticos de forma global, nacional e regional, através de políticas públicas nacionais e internacionais. “O superaquecimento da terra é um ônus para as populações, os ecossistemas e os biomas. Precisamos urgentemente limitar o aquecimento global a 1,5 grau em comparação à era pré-industrial”, salientou.

Mariana Lyrio citou dados do Atlas Digital de Desastres no Brasil, que, atualmente no DF, há pelo menos R$ 39 milhões de prejuízo financeiro decorrentes de tragédias ambientais. A ferramenta também mostra que cerca de 24 mil pessoas foram feridas em algum desastres climáticos na região — majoritariamente por erosão de terra, alagamentos, vendavais, estiagem e/ou seca. A assessora do OC, completou que aumento de doenças infecciosas, como a epidemia de dengue, é outra consequência das mudanças climáticas. 

“Uma pesquisa, por exemplo, que foi feita do quanto esse desastre vai custar, em termos financeiros, 120 bilhões de reais só em 2024”, afirmou Mariana Lyrio. “Dados do Instituto Nacional de Meteorologia mostraram que, desde 1961, o DF tem experimentado diversas alterações. Entre elas, um aumento na temperatura média anual de 1,6 grau e uma queda de 144 mm de chuva, tudo isso causado pelas mudanças climáticas”, apresentou.

 

Crise hídrica

 

José Francisco Gonçalves Júnior, professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), listou os desafios da recuperação ambiental na cidade, especialmente, aqueles referentes à poluição dos rios que abastecem a população, comprometendo a qualidade da água distribuída. “A probabilidade é de, até 2050, cair 50% do volume de água superficial no Distrito Federal, padrão observado em todo cerrado”, afirmou. 

A presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica, Alba Evangelista Ramos, também citou outros quatro fatores — abastecimento, agricultura, diluição de efluentes e drenagem — como principais problemas da crescente crise hídrica no DF. Segundo Ramos, doutora em Ecologia pela UnB, o desmatamento é o motivo predominante da escassez de água na região.

“Vetores de desmatamento apresentados, há duas semanas, pelo MMA e Map Biomas, mostram que a progressão do desmatamento no Cerrado passou da Amazônia e está na ordem dos 612,5% aqui no DF. Nosso órgão informou que correspondia a 0,27% do território”, destacou Alba Ramos.

 

Chuvas

 

A presidente do Comitê apresentou dados do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Bioma Cerrado (PPcerrado), que apontam que o Cerrado contempla oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras (Tocantins, Parnaíba, Atlântico Nordeste Ocidental, Amazônica, Paraguai, Paraná, Atlântico Leste, São Francisco).

A análise das informações do PPcerrado mostram que, em 81 bacias hidrográficas, entre 1985-2022, houve redução de vazão, uma perda de 15,4%. Além disso, os registros expõem atraso na estação chuvosa de 1,4 dia/ano desde 1980, um acumulado de 1 mês e 26 dias.

“A cada ano hidrológico está chovendo menos no DF. Constatamos isso claramente na crise hídrica, quando, em três anos, perdemos um ano hidrológico. Isso é muito forte em um território como o DF, que não tem grandes fontes de água” — Alba Evangelista Ramos, presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica

Gonçalves Júnior pontuou que os eventos extremos podem fazer com que as chuvas que caiam na cidade sejam mais fortes. Segundo o professor da UnB, a barragem do reservatório de Santa Maria —  segundo reservatório mais importante do DF, responsável por abastecer 19% da população — é similar às de Mariana e Brumadinho, podendo, em caso de excesso de chuva, suportar a capacidade por no máximo quatro minutos até se romper. 

 

 

“Se romper, leva oito minutos para chegar ao Varjão. Estamos falando de uma probabilidade menor que 1%, mas se perguntasse a qualquer colega meu no Rio Grande do Sul qual era a probabilidade de acontecer o que aconteceu lá, ele te diria a mesma coisa ‘menos de 1%’”, afirmou.

 

Efeito estufa

 

De acordo com Thiago Longo Menezes, coordenador-geral de mudança do clima do Ministério do Meio Ambiente (MMA), a maior questão do efeito estufa é o combate à grande emissão de gases na atmosfera, que aumentam a temperatura do planeta e desequilibram diversos fenômenos naturais no nível do mar, vento e corrente marítima.

“A temperatura vai aumentar independente do que a gente faça nesse momento, porque os gases de efeito estufa ficam na atmosfera por muitos anos. O metano, por exemplo, fica por 20 anos, o próprio gás carbônico fica por 40, 50 anos”, afirmou. “Hoje, mesmo que a gente zere a emissão, já estamos contratando um aumento de temperatura futura”, enfatizou. 

Além da descarbonização, Menezes salientou a necessidade de direcionamento financeiro para adaptação das cidades dos países emergentes e subdesenvolvidos, uma vez que países desenvolvidos já apresentam estruturas adaptadas às mudanças climáticas. 

“Grande parte do recurso internacional está indo para o norte global, especialmente para a área de redução de emissões de mitigação. O que sobra para o sul global, que vão ser os países mais afetados, é muito pouco. Esse pouco que sobra é em torno de 10%, para adaptação”, destacou. 

“Do ponto de vista financeiro, esse recurso não vai vir. Vamos ter que resolver isso nacionalmente, seja com recurso do governo federal, dos estados e também do setor privado. Não podemos ter a ilusão que vai vir dinheiro de fora para a gente fazer sistema de drenagem, rodovias mais resistentes, casas mais adaptadas. Isso não vai acontecer.” — Thiago Longo Menezes, coordenador-geral de mudança do clima do Ministério do Meio Ambiente (MMA) 

Andre Souza, coordenador na Subsecretaria de Assuntos Estratégicos da Secretaria do Meio Ambiente e Proteção Animal do DF, Roberto Carlos Batista, promotor de justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), e Lucia Mendes, representante do Fórum de Defesa das Águas, estiveram presentes no evento. 
 

 

Também participaram Charles Dayle, diretor de emergência, riscos e monitoramento ambiental do Instituto Brasília Ambiental, e Carlos Fernando Fisher, chefe da área de proteção ambiental do Planalto Central do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).



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