Líder conservador assume a presidência prometendo um novo rumo econômico e pulso firme contra a criminalidade
fonte: El País
Luis Lacalle Pou se tornou neste domingo o oitavo presidente do Uruguai desde a retomada da democracia, em 1985. À frente de uma coalizão de direita, o novo mandatário iniciará uma série de ambiciosas reformas com foco no combate à criminalidade e num novo rumo econômico para o país.
Talvez por isso, Lacalle Pou dedicou seu discurso no Parlamento, primeiro ato protocolar do dia da posse, a detalhar sua ação de governo para os próximos cinco anos perante o país e numerosos convidados estrangeiros, que incluíam o rei da Espanha e os presidentes de Brasil, Paraguai, Chile, Colômbia e Bolívia, entre outros. O presidente da Argentina, Alberto Fernández, não viajou a Montevidéu por causa do discurso de abertura do ano legislativo em Buenos Aires.
Antes do juramento do novo presidente, Jair Bolsonaro saiu para cumprimentar o público, que em sua maioria o aplaudiu e cantou em seu favor. Bolsonaro pegou uma bandeira do Uruguai e a balançou no ar antes de entrar na sede do Parlamento.
Lacalle Pou expôs a situação econômica do Uruguai, advertiu sobre seu déficit e anunciou políticas de austeridade, o estabelecimento de uma regra fiscal e a abertura de um debate sobre uma reforma urgente do sistema de segurança social e pensões. Na segunda-feira, em sua primeira jornada de governo, o líder branco (cor que identifica o Partido Nacional) prometeu se reunir com todas as forças de segurança do Estado para tomar medidas contra a criminalidade, uma de suas prioridades.
Por volta do meio-dia, com o trâmite legislativo concluído, o sol continuava sem dar trégua, e durante pouco menos de duas horas o Uruguai teve dois presidentes. Foi o intervalo da liturgia republicana em que Luis Lacalle Pou percorreu os poucos quilômetros que separam o Palácio Legislativo da praça Independencia, onde Tabaré Vázquez o aguardava para entregar a faixa presidencial.
Lacalle Pou percorreu esse trecho final no Ford V8 club Cabriolet que pertenceu a seu avô, Luis Alberto de Herrera, um dos fundadores do Partido Nacional. Escoltavam-no dezenas de gauchos a cavalo, com bandeiras brancas e azuis que simbolizam a proximidade do PN com o campo e o interior do Uruguai. Na praça esperava Vázquez, primeiro presidente esquerdista da história do Uruguai (no mandato de 2005-10), que às 16h24 tirou a faixa de si, colocou-a em seu sucessor e foi embora para casa a pé, transformado em um cidadão a mais.
Leis urgentes
O principal projeto da “coalizão multicolorida” que já governa o Uruguai é a tramitação de uma Lei de Urgente Consideração (LUC) que consta de 457 artigos sobre temas tão variados como a segurança pública, a reforma da educação, as relações trabalhistas e a política econômica. O formato da tramitação faz que, se o Parlamento não obtiver sua aprovação nos prazos estabelecidos (uns três meses no total), a lei fica automaticamente aprovada. Mistura de medida provisória com pacotão legislativo, a oposição considera que a LUC viola a Constituição, já que muitas de suas medidas não são urgentes. Como prova disso, adversários do presidente citam em tom irônico o artigo que autoriza açougues a fabricarem linguiças artesanais.
O capítulo mais amplo da LUC tem a ver com a segurança pública e inclui o aumento das penas para menores infratores, a ampliação dos poderes das forças policiais, a autorização dos controles de identidade baseados em mera suspeita e o aumento de penas. O novo ministro do Interior, Jorge Larrañaga, foi claro a respeito: “O novo Governo vai reprimir”, e quem não gostar dessa palavra “vai ter que engolir”.
Os cidadãos esperam muito da nova administração, já que a insegurança foi o tema predileto da oposição durante os três governos da esquerda. Embora geralmente o Uruguai seja classificado como um dos países mais tranquilos da região, o aumento dos roubos e homicídios nos últimos anos é intolerável para uma população que se compara à Europa, e não aos seus vizinhos.
Economia e pensões
A questão econômica será certamente um dos principais cavalos de batalha dos próximos anos na política do Uruguai, um país com dois grandes blocos, um à direita e outro à esquerda, que têm peso e força similares, mas com visões muito diferentes na hora de avaliar o desempenho do país.
O presidente Lacalle Pou tornou a advertir sobre a grave situação econômica devido ao aumento do desemprego (que beira os 9%), a ascensão da inflação acima de 8%, o déficit público, que terminou 2019 em 4,7% do PIB, e o peso da dívida externa, de excelente qualificação creditícia, mas cada vez maior em comparação ao PBI.
A administração recém-encerrada enxerga a coisa sob um prisma muito diferente: o Uruguai vem escapando da crise e da recessão que assolam os países da região e registra 15 anos de crescimento econômico, as perspectivas de 2020 tendem à alta, o país tem a renda per capita mais elevada da América Latina, os menores índices de pobreza da região e as menores diferenças sociais. Seguro do seu balanço, o Governo de Vázquez recebeu o Fundo Monetário Internacional no mês passado para que fizesse uma de suas análises periódicas. O relatório da missão apontou a “posição invejável” do Uruguai na região, mas advertiu para a importância de corrigir os desequilíbrios nas contas públicas.
Para a coalizão conservadora, a necessidade de um ajuste e de políticas de austeridade é urgente, e essas reformas incluem mudanças no sistema de pensões. E essa será, sem dúvida, outra das grandes disputas políticas nos próximos cinco anos.
Na legislatura passada, a maioria parlamentar esquerdista reformou as pensões dos militares, que causam às contas públicas um déficit similar ao de todo o resto do sistema previdenciário do Uruguai. A reação dos militares foi a criação do partido Cabildo Aberto (“cabildo”, nos países platinos, é um conselho de cidadãos), que em menos de seis meses chegou a 11% dos votos na última eleição e agora, como membro da coalizão governante, tem vários deputados e dois ministros. Neste contexto, as mudanças a serem feitas na previdência prenunciam polêmica.