Do árabe para o português.

O Português é uma língua derivada dos dialetos latinos, românicos peninsulares ou simplesmente romance, que resultaram da mistura do “latim vulgar”, falado pelos soldados romanos, com os dialetos locais existentes na Península Ibérica à data da sua ocupação. O Português, primitivamente Galaico-português, forma-se diretamente a partir do Leonês ou Asturo-Leonês, e tem como substrato a língua nativa dos Galaicos, Lusitanos, Célticos e Cónios.

O Português sofre inevitavelmente a influência da Língua Árabe, influência que ultrapassa em muito a extensão que a maioria dos autores refere, não só em termos de “marca” no seu léxico, como da própria forma como se opera.

Adalberto Alves, no seu “Dicionário de Arabismos na Língua Portuguesa”, esclarece que a influência da língua Árabe, para além dos seus aspectos evidentes ou visíveis, ou seja, do léxico Árabe diretamente transposto para o português, deve considerar todos aqueles que chegam ao português de forma “encapotada”, através da tradução de textos Árabes por religiosos cristãos, cuja origem,“por preconceito religioso (…) a hierarquia da Igreja queria apagar” (ALVES, 2013, pág. 17).

Assim, a extensão da influência do Árabe no Português, que a maioria dos autores resumem a cerca de 1.000 substantivos, deve ser consideravelmente alargada, não só no seu número, que segundo Adalberto Alves é de 18.073 termos, como ao nível gramatical, já que inclui não só substantivos, como adjectivos, verbos, pronomes, artigos e interjeições. (ALVES, 2013, pág. 23)

A influência do Árabe no Português é bastante mais marcada do que no Castelhano ou no Catalão, línguas que, localizando-se geograficamente mais próximas de França recebem a sua influência direta e têm um efeito de tampão no Português. A título de exemplo refira-se que aos 18.073 termos que o Português recebeu correspondem cerca de 4.000 termos recebidos pelo Castelhano.

Convém também esclarecer que a arabização da Península não impôs nem a religião Muçulmana nem a língua Árabe como únicas, mantendo-se “ativos” durante o período do Al-Andalus os dialetos moçárabes e o Hebreu, que aportaram termos próprios ao Português.

Até 1496, data do decreto de expulsão das minorias muçulmana que não aceitassem a conversão forçada ao cristianismo, o processo de influência do Árabe no Português persiste, não só nas chamadas “ilhas muçulmanas em território português”, as mourarias, como através da influência sofrida em Marrocos pelos portugueses via “Mouros de Pazes”.

Com a instituição do terror da Inquisição em 1552, o Árabe é proibido, reduzindo-se à sua expressão mínima e clandestina, a escrita “aljamiada”. Inicia-se então um período de expurgação de tudo o que é ou soa a Árabe.

Apesar dos mais de 500 anos que durou a presença Árabe em Portugal essa influência refere-se essencialmente ao léxico, pelo que não podemos falar de uma influência estrutural. Um aspecto extremamente relevante é o da adopção de muitos termos Árabes na formação do calão português, a chamada “gíria dos rufiões“, que no período da inquisição terá tido grande incremento através da utilização de expressões e termos encapotados pelos mouriscos e cripto-muçulmanos.

De seguida procura-se dar, apenas a título de exemplo, uma visão geral relativa aos aspectos mais evidentes desta influência.

Antes de mais uma referência a quatro exemplos paradigmáticos e que fazem supor que algumas expressões de caráter religioso perduraram pelo engenho popular:

Oxalá (law xá Allah ou incha Allah, se Deus quiser).

Olá (wa Allah, Deus, saudação).

Olé (wa Allah, Deus, interjeição utilizada como aplauso ou incentivo).

Olarilolé (la illaha ila Allah, não há divindade senão Deus, profissão de fé muçulmana).

A grande maioria dos substantivos começa com o artigo definido Al (o ou a), muitas vezes com o ”l” assimilado à consoante inicial do substantivo, concretamente quando esta é uma consoante solar. No alfabeto Árabe não existem vogais, mas apenas consoantes, e as consoantes dividem-se em consoantes lunares e consoantes solares.

As consoantes lunares não têm influência na pronúncia do l do artigo Al, quando constituem a letra inicial da palavra, como por exemplo em Alferes (o cavaleiro), Almeida (a mesa) ou Alcântara (a ponte). Mas as consoante solares quando colocadas na mesma posição assimilam o l do artigo Al, duplicando o seu valor.

Por exemplo Azeite escreve-se Alzeite em Árabe, mas pronuncia-se Azzeite pelo facto de o z ser uma consoante solar. Daí a origem de termos como Azulejo, Açorda ou Atalaia.

Outras formas comuns de início de termos de origem Árabe são as palavras que começam por x (Xadrez, Xarope ou Xerife) ou por enx (Enxaqueca, Enxoval ou Enxofre).

Outras palavras são caracterizadas pela terminação, como as que terminam em i (Javali, Mufti ou Sufi), em il (Cordovil, Mandil ou Anil), em im (Alecrim, Carmesim ou Cetim) e as terminadas em afe ou aque (Alcadafe, Almanaque ou Atabeque).

Algumas consoantes Árabes não entram nos vocábulos portugueses por uma questão de não se adaptarem à forma de pronunciar do português, como o h que geralmente se transforma em f, como em Alfama (do Árabe Alhammam), Alfazema (do Árabe Alhuzaima) ou Alface (do Árabe Alhassa).

Saloio é a designação dos muçulmanos expulsos de Lisboa após a sua conquista pelos portugueses, que se instalaram na área rural situada a Norte e Poente da cidade; a origem do termo não reúne consenso, sendo a explicação mais plausível a que defende que deriva da palavra صلاة“salat” ou “oração”, já que designava aqueles que rezavam 5 vezes por dia “fazendo o çala”, e que eram chamados na época “çaloyos”; esta seria também a origem de “çalayo”, nome do imposto pago sobre o pão na região de Lisboa; outra explicação é a origem do termo na palavra ساحلي “saheli”, que significa “habitante do litoral”; outra ainda é a origem em سلاوي “salaui” ou habitante da cidade marroquina de Salé, designação local para a população rural.

Os substantivos podem ser agrupados em várias categorias, maioritariamente relativas a inovações ou contributos que os Árabes introduziram na nossa sociedade, e a topónimos, que se observam de Norte a Sul do País e que muitas vezes aportam informações sobre o passado das próprias localidades.

No primeiro caso refiram-se as designações de cargos públicos (Alcaide, Almoxarife ou Alferes), termos de tipologias de edificações (Alcácer, Alcáçova ou Aljube), de construção (Alvenaria, Azulejo ou Açoteia), de instituições administrativas (Aldeia, Arrabalde ou Alfândega), de plantas

(Arroz, Alfazema ou Alfarroba), de frutos (Tâmara, Romã ou Ameixa), de profissões (Alfaiate, Almocreve ou Alfaqueque), de termos relacionados com a agricultura (Enxada, Alcatruz ou Azenha), com a atividade militar (Adaga, Arsenal ou Arrebate), de termos médicos (Xarope, Enxaqueca ou Alcalino), de termos geográficos (Azinhaga, Lezíria ou Albufeira), de unidades de medida (Alqueire, Arroba ou Arrátel), de animais (Alcatraz, Lacrau ou Javali), de adereços (Alfinete, Almofada ou Alcatifa), de instrumentos musicais (Adufe, Alaúde ou Rabeca), de produtos agrícolas e industriais (Azeite, Álcool ou Alcatrão), das ciências exatas (Álgebra, Algarismo ou Cifra).

Alguns nomes próprios e apelidos têm também a sua origem em nomes Árabes, como por exemplo Leonor (em Árabe Li an-Nur, ou que vem da luz), Abel (Abu l-, pai de), Fátima (nome de uma das filhas do Profeta Maomé), Albuquerque (Abu-l-qurq, ou o do sobreiro), Bordalo (Badala, abundante) ou Almeida (Al maida, a mesa).

Muitos termos do calão português, do mais brejeiro ao mais indecente, têm origem no Árabe. Por exemplo Marafada (Mraa Khaina, ou mulher que engana), Mânfio (Manfi, desterrado ou proscrito) ou ainda Marado (Marid, ou doente).

No caso dos topónimos, para além da grande maioria de termos iniciados pelo artigo Al ou pela sua forma com o l assimilado, existem outros com origem comum, que podemos agrupar.

Por exemplo, os topónimos iniciados por Ode (do Árabe Ued ou Rio), como Odemira, Odeceixe ou Odeleite.

Os iniciados por Ben (em Árabe Ben ou Ibn significa Filho, mas em toponímia tem o significado de Lugar), como Bensafrim, Benfarras ou Benamor.

A título de curiosidade refiram-se alguns topónimos de origem Árabe com indicação do seu significado:

Albarraque (Albarrak, o brilhante),

Albufeira (Albuhaira, a pequena barragem),

Alcabideche (Alqabidaq, a “mãe de água”),

Alcácer (Alqassr, o castelo),

Alcáçovas (Alqassba, a cidadela fortificada),

Alcalar (Alqalaa’, o forte),

Alcaidaria (a chefia),

Alcaide (o chefe),

Alcains (Alkanissa, a igreja),

Alcanena (Alqanina, a cabaça),

Alcântara (a ponte),

Alcantarilha (diminutivo de Alcântara),

Alcaria (a aldeia),

Alcobaça (Alkubasha, os carneiros),

Alcochete (Alqucha, o forno),

Alcoentre (Alqunaitara, a ponte pequena),

Alcoitão (Alqaiatun, a tenda),

Alcongosta (Alkunasa, o areal),

Alcoutim (Alkutami, o falcão),

Alfama (Alhamma, a fonte),

Alfambras (Alhamra, a vermelha),

Alfarelos (Alfahar, a louça),

Alfeizerão (Alhaizaran, o canavial),

Alfarim (Alfaramin, os decretos),

Alfarrobeira (Alharruba, o mesmo que em português),

Alferce (Alfarz, o que separa, entre duas colinas),

Algarve (Algharb, o Ocidente),

Algeruz (o canal),

Algés (Aljaich, o exército),

Algueirão (Aljairan, as grutas),

Alhandra (Alandar, a debulha),

Alijó (Alaja, telhado plano),

Aljezur (Aljuzur, as ilhas),

Almacave (Almaqabara, os cemitérios),

Almada e Almádena (Almadana, a mina),

Almansil (a estalagem),

Almargem (Almarj, o prado),

Almarjão(Almarjun, o pedregal),

Almedina (a cidade),

Almeida (a mesa),

Almeirim (Almirin, o limite),

Almoçageme (a água que corre),

Almodôvar (Almuduar, o meandro),

Almoster (Almustar, lugar de aprovisionamento),

Alpedrinha (Albadri, luarento),

Alpiarça (Albiraz, o duelo),

Alqueidão (Alhaima, a tenda),

Alte (Altaf, elegante),

Alvaiázere (Albaiaz, o falcoeiro),

Alvalade (Albalad, o campo),

Alverca (Albirka, o pântano),

Alvor (Albur, a charneca),

Alvorge (Alburj, a torre),

Anadia (delicada),

Arouca (Aruqa, a bela),

Arrábida (edifício religioso fortificado),

Arrifana (Arihana, a murta),

Arronches (Arauxan, as penhoras),

Arruda (Aruta, planta silvestre),

Asseca (o caminho certo e plano),

Atalaia (lugar alto de onde se exerce vigilância),

Aveiro (Aluarai, retirado, resguardado),

Azambuja (o zambujeiro),

Azeitão (Azeitun, a oliveira),

Azóia (Azauia, a ermida),

Belamandil (Banu Mandil, nome de tribo),

Bela Salema (Banu Salam, filhos da paz, nome de tribo),

Belixe (garça),

Benaciate (Ben sayyad, lugar ou filho do caçador),

Benaçoitão (Ben As-Sultan, filho do poder),

Benafin (Ben ‘Affan, filho do puro),

Benagil (Ben Ajawid, filho do generoso),

Benamor (Ben ‘Ammar, filho do devoto),

Benavente (Ben ‘Abbad, lugar do devoto),

Bencatel (Ben Qatil, filho da vítima),

Benevides (Ben ‘Abid, lugar do adorador),

Benfarras (Ben Farraj, filho da consolação),

Benfica (Ben Fiqa, filho da calmeirona ou da mulher alta),

Bensafrim (Ben Saharin, lugar dos feiticeiros),

Beringel (beringela),

Birre (Bir, poço),

Bobadela (Bu abdallah, pai do escravo de Deus),

Boliqueime (Bu Alhakim, nome próprio),

Borba (Birba, labirinto),

Bucelas (Basala, cebola),

Budens (Bu Danis, nome de tribo que governou Alcácer do Sal),

Burgau (Burqa, zona com o solo pedregoso),

Cacela (Qassila, seara),

Cacém (Qassim, nome próprio, que significa aquele que testemunha),

Cacilhas (Hasila, lixeira),

Caneças (Kanissa, igreja),

Cartaxo (Qar at-Taj, residente do Tejo),

Caxias (Kashih, inimigos),

Charneca (Xarnaqa, terreno inculto),

Chelas (Xila, arco),

Colares (Kula, pequeno lago),

Coruche (Quraichi, nome de tribo),

Cuba (cúpula),

Elvas (Ilbax, risonha),

Estoi (Ustul, esquadra),

Estômbar (Ustuwanat, arcos),

Falacho (solo gretado),

Faro (Harun, nome próprio),

Fatela (Fath Allah, vitória de Deus),

Fátima (nome da filha do Profeta Muhammad),

Golegã (Ghalghal, entrar ou penetrar),

Leça (Laza, ferrolho),

Loulé (Al’ulia, a elevada),

Loures (Lawr, lira),

Lousã (Lawha, ardósia),

Luz (amêndoa),

Mafamede (Muhammad, muçulmano),

Mafamude (Mahmmud, louvável),

Mafra (Mahfra, cova),

Magoito (Maqhut, árido),

Malhada (lugar de travessia de um rio),

Marateca (Mar’a at-Taqia, mulher devota),

Marvão (Marwan, nome próprio),

Massamá (Maa as-Sama’, água do céu),

Mesquita (Massjid, o mesmo que em português),

Messejana (prisão),

Messines (elogioso),

Mora (Murah, pastagem),

Moscavide (Maskbat, sementeira),

Mucifal (Mussafa, vale inundável),

Muge (Muhja, alma),

Murça (Mussa, nome do conquistador Árabe do Gharb Al-Andalus),

Nexe (Naxa, juventude),

Niza (disputa),

Odeceixe (Ued Sayh, rio da torrente),

Odeleite (Ued Layt, rio do eloquente),

Odelouca (Ued Luqat, rio das sobras),

Odemira (Ued Amira, ou rio da princesa),

Odiáxere (Ued Arx, rio da punição),

Odivelas (Ued Ballas, rio da terracota),

Oeiras (Urwah, moitas),

Olhão (‘Ullyah,elevado),

Oura (Awra, esconderijo),

Ourén (Wahran, nome de cidade na Argélia),

Ourique (Wariq, verdejante),

Ovar (‘Ubr, curso de água),

Palmela (Bismillah, ou em nome de Deus),

Parchal (Barjal, circuito),

Penela (Ben Allah, filho de Deus),

Peniche (Ben ‘Aixa, filho de Aixa),

Quelfes (Kallaf, moço de estrebaria),

Queluz (vale da amendoeira),

Retaxo (Ritaj, entrada),

Sacavém (Xaqaban, próximo),

Safara (Sahara, deserta),

Salema (Salama, paz),

Sameiro (Samar, junco),

Samouco (Samuq, alto),

Sargaçal (Xarqwasi, arbusto),

Serpa (Xarba, poção),

Sertã (Saratan, caranguejo),

Setil (Sabtil, de Ceuta),

Sever (Sabir, colina),

Sines (Sin, fortaleza),

Sor (Sur, cerca),

Tarouca (Turuq, caminhos),

Tavira (Tabira, ruína),

Tercena (Dar as-Sina, casa da industria),

Trofa (Taraf, extremidade),

Valada (Balat, planície),

Vau (Wad, rio),

Vieira (Bayara, concha),

Xabregas (desfazer),

Zambujal (de Zabbuj, oliveira brava),

Zavial (Zauia, azóia),

Zêzere (Za’za’a, agitação).

FONTE:  Frederico Mendes Paula

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