Erro do IBGE reduz território ao norte do DF e gera insegurança jurídica e riscos ambientais

Do ponto de vista estritamente territorial, o líder comunitário Marcelo Benini registrou o tamanho da “mordida” na área do Distrito Federal: 460,15 hectares, área ocupada por 214 chácaras

FONTE: AGÊNCIA CLDF

A Câmara Legislativa realizou comissão geral nesta quinta-feira (24) para tratar da situação da divisa norte do Distrito Federal com o estado de Goiás, mais especificamente do Núcleo Rural Bonsucesso, em Planaltina. O assunto foi trazido ao Legislativo por chacareiros da área, que argumentam estar num “limbo”, sem segurança jurídica e territorial, após um erro cartográfico cometido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A solução apontada durante o debate passa pela assinatura de um termo de acordo do DF com o estado vizinho. A deputada Arlete Sampaio (PT), que presidiu a comissão, defendeu que o governador Ibaneis Rocha seja acionado o quanto antes.

“Jamais imaginaria que algo do tipo pudesse acontecer no DF, mas aconteceu”, disse a distrital ao contar que, entre os anos 2007 e 2010, o IBGE alterou a divisa norte do DF “sem realizar qualquer audiência pública e sem consultar nenhum órgão nem a comunidade do Núcleo Rural Bonsucesso, diretamente atingida pela mudança”. Ao apresentar a situação, Arlete afirmou isso tem gerado muita confusão, visto que alguns órgãos começaram a utilizar o mapa alterado, e outros continuaram a usar a versão original.

A parlamentar apontou que o território do Distrito Federal está definido na Lei nº 2.874/56, que trata da mudança da capital federal, e que engloba a área do núcleo rural em debate. Ela lembrou que o Bonsucesso existe desde 1983, tendo surgido a partir do loteamento da fazenda de mesmo nome, localizada no DF, à margem direita da rodovia 128, no sentido Planaltina/DF para Planaltina/GO.

“Ao longo de décadas, todos os documentos de escrituras e contratos sempre foram efetivados em cartórios do DF, além disso todos os serviços públicos são realizados por órgãos do DF”, salientou. E completou: “Não é possível que um pedacinho de Brasília seja retirado do território do DF, ameaçando a nossa soberania territorial”.

Representando os moradores do Bonsucesso, Marcelo Benini lamentou as consequências do erro cartográfico: “Temos uma comunidade que há anos está sofrendo por um erro cometido por uma instituição pública federal. Estamos num limbo de segurança jurídica e territorial”. O líder comunitário também alertou para as ameaças de grilagem de terras e de parcelamento irregular vindas do estado de Goiás, onde a legislação é distinta da do DF.

“O núcleo rural tem sido uma resistência ambiental durante todos esses anos”, observou, destacando o cumprimento da Lei Distrital nº 803/09, que estabelece que a fração mínima de lote rural no DF é de dois hectares.

Do ponto de vista estritamente territorial, Benini registrou o tamanho da “mordida” na área do Distrito Federal: 460,15 hectares, área ocupada por 214 chácaras. Ele relatou que a situação foi percebida quando um chacareiro, ao receber o relatório do Cadastro Ambiental Rural (CAR), observou que sua chácara constava com a bandeira de Goiás.

Mas o quadro é ainda mais complexo. Conforme apontou o coordenador de Informações Ambientais da Secretaria de Meio Ambiente, Rogério Alves Barbosa da Silva, a região está dentro da zona de amortecimento da Estação Ecológica de Águas Emendadas, além de fazer parte do corredor ecológico Paranã-Pirineus. “Ela tem uma relevância ecológica de escala regional, além de todas as qualidades da produção de água. Estamos sempre lá fazendo fiscalizações, e essas questões aumentam a pressão na área, onde não pode haver atividade indiscriminada”, destacou.

Além disso, o deputado Chico Vigilante (PT) levantou uma questão orçamentária envolvida: “Os recursos para estados e municípios são de acordo com o número de habitantes. Nesse caso, Planaltina de GO está recebendo recurso indevido, porque os moradores são do DF”.

Em busca de solução

Em outubro de 2016, houve a primeira reunião com representantes dos dois estados envolvidos e o IBGE. A partir daí, foi formado um grupo que realizou trabalho de campo para esclarecer a situação. Há anos acompanhando o imbróglio, a coordenadora do Sistema de Informação Territorial e Urbana da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitacional (Seduh), Litiz Mary Lima Bainy, explicou que a confusão está resolvida com o IBGE, estando pendente apenas a assinatura de um termo de acordo entre o DF e GO: “O IBGE fez tudo o que podia fazer, agora é preciso o termo de acordo”.

O documento estava pronto para ser firmado quando houve a última mudança de governo, informou a gestora. “Com a mudança do governo de lá, não conseguimos contato com os técnicos. Em 2021, finalmente, conseguimos marcar uma reunião, mas o Instituto Mauro Borges [de geoinformação de GO] saiu da Secretaria de Planejamento e foi para a Secretaria de Governo. Aí o trabalho se perdeu”, relatou.

O líder comunitário Marcelo Benini reclamou, contudo, da continuidade de divulgação de mapas errados. De acordo com ele, o próprio portal do IBGE ainda disponibiliza a versão com erro e, no Google Earth, a divisa também está errada.

Litiz Bainy lamentou que os mapas publicados em determinadas datas não tenham sido retirados da internet e reconheceu os problemas advindos. Ela defendeu, contudo, caber aos órgãos de licenciamento e ao Cadastro Ambiental Rural procurar a base de dados mais atualizada ou a lei que definiu o território distrital.

“A impressão que eu tenho é que foi feita uma lambança com o DF. E tenho a impressão de que essa questão não se resolverá só com técnicos conversando; é preciso que o Legislativo entre efetivamente, e o governador tem que entrar para valer nesse caso”, avaliou o deputado Chico Vigilante. O parlamentar sugeriu que uma comissão de distritais vá afalar com o governador goiano.

A deputada Arlete Sampaio não descartou a sugestão do colega, mas defendeu que a primeira coisa a ser feita é levar o problema ao governador Ibaneis. Ela pediu o apoio do secretário de Relações Parlamentares da Casa Civil, Maurício Antônio de Amaral Carvalho, para esse encaminhamento. “O governador precisa falar com o governador de GO sobre essa invasão que estão fazendo no território do DF, para agilizar a assinatura do termo de acordo”, asseverou.

A distrital também argumentou ser importante acionar os ministérios públicos dos dois estados para atuarem junto aos órgãos que estão expedindo documentos errados. Além disso, ela defendeu que o Ibram fiscalize a região para coibir parcelamentos irregulares pelo estado de GO: “Pode ser irreversível depois”.

Ponta do iceberg

A comissão geral desta tarde discutiu a situação da divisa norte do DF, mas acabou revelando problemas similares em outras áreas da unidade federativa. Para Litiz Bainy, o quadro ao norte é dos mais simples. “Há problemas no limite oeste também. E, na divisa sul, a questão é bem mais grave”, alertou a coordenadora do Sistema de Informação Territorial e Urbana da Seduh.

“Fiquei mais preocupada ainda. Estão roubando o DF e a gente não sabia”, reclamou Arlete Sampaio.

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