Muhammad al-Idrisi foi um dos geógrafos ou cartógrafos mais bem-sucedidos da Era Medieval. Este intelectual árabe deixaria igualmente trabalhos nos campos da botânica e da literatura.
Todavia, seriam os seus mapas, com elevada qualidade de desenho e precisão (pelo menos, no âmbito do contexto em que vivera), que suscitariam o interesse de vários reinos e aventureiros que procuravam apurar mais informações sobre esse mundo enigmático que os rodeava.No decurso do século XII, al-Idrisi apresentaria algumas conclusões inovadoras ao nível da cartografia. Na Idade Média, o mundo conhecido abrangia apenas a Europa, o Norte de África, o Médio Oriente, a Pérsia e mais algumas regiões da Ásia. Por outro lado, desconhecia-se a existência dos continentes da América e da Oceânia, e a maior parte da área continental de África estaria ainda por explorar! Foi nesse mar de incertezas que al-Idrisi mergulhou, tentando rumar contra as “marés supersticiosas e ignorantes” do seu tempo.

A sua vida inicial
Al-Idrisi nasceria por volta do ano de 1100 na cidade de Ceuta (na altura, baptizada de “Sebta” ou “Sabta”). Provinha de uma família com ramificações antigas no Norte de África e no próprio al-Andalus (conjunto das possessões muçulmanas na Península Ibérica). Durante a sua juventude, Idrisi iria percorrer estas duas regiões, obtendo assim informações detalhadas. Aliás, ele estudaria inclusive em Córdova, um dos prestigiados centros culturais da “Espanha Muçulmana” que congregava a nata intelectual daquele tempo. No entanto, o percurso de Idrisi não se ficaria por aqui. Aos 16 anos, teria visitado igualmente a região da Anatólia, e julga-se que, no decurso da sua vida, procuraria conhecer melhor a dimensão física do continente europeu através de viagens realizadas aos Pirenéus, à costa atlântica francesa, à Hungria e a York da Nortúmbria (hoje Yorkshire – norte de Inglaterra). Ninguém poderia negar o seu contacto com variadas culturas e até com os intelectuais da sua época. Além disso, é plausível que Idrisi tivesse acedido, em algumas das suas paragens, a documentos com conteúdos de natureza geográfica.
A “Tabula Rogeriana” – o seu célebre mapa-mundi

A recorrente instabilidade política no al-Andalus motivou al-Idrisi a procurar um novo ciclo para a sua vida. Dentro deste contexto, o intelectual passará a residir no reino normando da Sicília, servindo na corte do rei Rogério II. A mudança teria ocorrido possivelmente em 1138.No ano de 1154, Muhammad al-Idrisi apresentaria a célebre “Tabula Rogeriana”, espécie de “mapa-mundi” colorido que ilustrava os continentes europeu e asiático, bem como o Norte de África. Por outras palavras, o nosso cartógrafo tentou desenhar aquele que seria, na altura, o mundo até então conhecido. Como já disséramos anteriormente, o mapa pautava-se pela qualidade do desenho e por uma minúcia surpreendente para a época em questão. Para concretizar este prodigioso trabalho, al-Idrisi teve naturalmente de realizar viagens (já elencámos algumas delas no sub-tópico anterior!), de consultar mapas e descrições geográficas antigas, e de estabelecer contactos privilegiados com mercadores e exploradores muçulmanos (estes conheceriam, por exemplo, algumas zonas de África, a região asiática junto ao Oceano Índico ou até mesmo o Extremo Oriente) e ainda com viajantes ou aventureiros normandos (provenientes do Norte da Europa). O mapa resultante de toda esta investigação complexa incluiria ainda comentários e legendas em arábico. As suas conclusões, contidas no documento cartográfico que então criara, seriam seguidas por diversos geógrafos muçulmanos tais como Ibn Battuta, Ibn Khaldun e Piri Reis. O seu mapa também seria levado, mais tarde, em especial consideração pelos célebres navegadores Cristóvão Colombo e Vasco da Gama que pretendiam conhecer bem a realidade em que estavam inseridos.
Caracterização do seu Mapa-Mundo
No Mar do Norte (ou no “Atlântico Norte“, se procurarmos ser mais abrangentes), al-Idrisi assumiu como natural a existência de um importante conjunto de ilhas: a Inglaterra, a Irlanda, a Islândia e até a Gronelândia (a qual designa de “Grande Irlanda”). Aqui a precisão esteve longe de ser a ideal até porque esta não era uma região que al-Idrisi havia conhecido tão bem ao longo da sua vida.O mesmo não podemos dizer da Península Ibérica, da França, do Mar Mediterrâneo e das suas ilhas, da Anatólia, da Península Arábica, da Pérsia e do próprio Norte de África que surgem minimamente bem retratados, tendo em conta as ínfimas informações disponíveis na época em que al-Idrisi aceitara este desafio tremendo. Também o Oceano Atlântico, o Mar Adriático, o Estreito de Bósforo, o Mar Negro, o Mar Cáspio, o Mar Vermelho, o Golfo Pérsico e o Oceano Índico são realçados no mapa.Relativamente ao continente asiático, o desenho está longe das configurações hoje conhecidas, o que é natural tendo em conta o facto de, naquela época, este extenso território não ter sido ainda inteiramente desvendado pela civilização ocidental. Aliás, o conceituado explorador veneziano Marco Polo ainda não tinha sequer nascido! Confrontado com esta realidade obscura, al-Idrisi terá ficado refém das informações nem sempre exctas dos mercadores que teriam alguma participação nas rotas asiáticas. Não obstante, este cartógrafo não excluiu a China do seu mapa, efetuando menção aos seus barcos que transportavam seda, couro, peles, ferro e espadas. Além disso, teria feito alusão às vidrarias da cidade de Hangzhou e à produção especializada de seda em Quanzhou. Detalhes que atestam o esforço de al-Idrisi em compilar todos os dados então obtidos.O seu mapa-mundo conheceu ainda a particularidade de ter sido apresentado em sentido inverso (com o sul em cima e o norte em baixo), embora na ilustração em cima, o mesmo esteja já readaptado conforme os ditames atuais (o norte em cima, e o sul em baixo).
Nuzhat al-Mushtaq

Muhammad al-Idrisi apresentaria uma segunda obra – o Kitab Nuzhat al-Mushtaq Fi’khtiraq al-‘afaq (“O livro dos prazerosos viajantes até terras longínquas”). Esta obra foi preservada em nove manuscritos, sendo que sete dos quais contêm mapas. Este seu novo trabalho albergava ainda descrições textuais de natureza geográfica, disponibilizando assim conteúdos relevantes sobre determinadas terras, serras, montanhas, rios, mares…Na introdução, Idrisi indicou os nomes de dois famosos intelectuais que o inspiraram no aprimoramento das coordenadas geográficas – Cláudio Ptolomeu e “um astrónomo” que deverá ter sido Ishaq Ibn al-Hasan al-Zayyat. Al-Idrisi cruzou igualmente testemunhos orais de diversos informadores de modo a almejar um sentido de consistência.Esta obra de al-Idrisi fornece-nos também um importante testemunho sobre o Oceano Atlântico.
Recorrendo a alguns testemunhos da época, o cartógrafo árabe admite os seus perigos desconhecidos, nomeadamente as terríveis tempestades, as gigantescas ondas, as dimensões intermináveis, as névoas traiçoeiras e as “feras mortíferas”. Todavia, al-Idrisi interroga-se sobre o que este oceano poderia esconder nos seus confins, embora estando ciente que, pelo menos, existiriam muitas ilhas (habitadas ou desertas) no seu seio.Dentro deste contexto, al-Idrisi conta a velha história (verídica ou somente fantasiosa?) de um grupo de aventureiros (“Mughamarin”) saídos de Lisboa (quando esta ainda estaria sob domínio árabe) que tentaram satisfazer a sua curiosidade sobre os mistérios do inexplorado Oceano Atlântico. De acordo com o relato, estes ousados viajantes teriam alcançado uma ilha habitada, ao fim de 12 dias de navegação em águas desconhecidas. Aí teriam sido feitos prisioneiros por um grupo tribal que os cercara através das suas barquetas. Todavia, acabariam por ser transportados até à costa continental, onde seriam libertados junto a um lugarejo.
Tendo em conta a limitada duração da viagem e o facto de um dos indígenas dominar minimamente o idioma arábico (segundo o relato compilado), é tentador afirmar que estes aventureiros teriam estado nas ilhas de Grande Canária ou Tenerife que seriam habitadas por tribos quanches que mantinham contatos esporádicos com a costa marroquina islamizada. No entanto, estes testemunhos também dão azo à possibilidade de muitos destes ousados viajantes terem chegado a outros arquipélagos (embora desabitados e ainda não identificados pelo homem) como a Madeira, Cabo Verde e até Açores.

Morte e Legado
Entre os anos de 1165 e 1166, Muhammad al-Idrisi faleceria na ilha da Sicília, depois de ter trabalhado vários anos junto da corte sediada em Palermo. Outros historiadores acreditam que o local da sua morte teria sido em Ceuta, cenário que sugeria um eventual retorno à sua terra natal. Contudo, a primeira hipótese parece-nos mais credível, visto que a influente família dos al-Idrisi sempre motivara algum desconforto ou constrangimento a determinados sultões muçulmanos.. Assim sendo, e após a realização de viagens importantes, Idrisi teria provavelmente permanecido na Sicília até ao seu falecimento.No que diz respeito ao seu legado, Al-Idrisi defendeu igualmente a esfericidade da Terra.
De acordo com um comentário da sua autoria, “a terra é redonda como uma esfera, e as suas águas se aderem a ela e se mantêm nela através do equilíbrio natural que não sofre variação”. Todavia, é justo reconhecer que o cartógrafo árabe não foi o primeiro intelectual a defender esta teoria, contudo ele faria parte de uma linha restrita de intelectuais que ousadamente afrontara, desde cedo, o mito popular (bastante enraizado) de que a Terra seria plana. A saga dos Descobrimentos (séculos XV-XVIII) comprovaria que al-Idrisi e outros não estavam equivocados relativamente às teses que haviam proposto e que seriam alusivas à configuração redonda do planeta.
FONTE: HISTORIA ISLAMICA