Entre os países mais afetados pela covid-19, a Itália vai paulatinamente voltando à normalidade. Entretanto, pacote de medidas para retomada da economia provoca ceticismo entre a população às vésperas de ser publicado.
Fonte: Deutsche Welle
Há pouco mais de uma semana, na primeira segunda-feira de maio, o glorioso canto dos pássaros que havia enchido o ar matinal por mais de dois meses foi abruptamente abafado pelo rugido do tráfego romano.
Era um sinal inconfundível e retumbante de que o lockdown decretado em todo país havia terminado.
Os carros, caminhões e lambretas que voltaram a dominar as ruas representavam a volta ao trabalho dos quase cinco milhões de trabalhadores de construção e de fábricas, além de funcionários de restaurantes e cafés (agora abertos para serviços de delivery ou retirada). Eles faziam parte da “fase dois” do plano da Itália para relaxar o confinamento.
Os detalhes do pacote estatal para retomada da economia, originalmente otimista demais, com o título de Decreto de Abril, e agora, quase em meados de maio, rebatizado de Decreto de Recuperação, devem ser divulgados esta semana.
Não é de surpreender que o documento de 444 páginas, contendo 258 artigos e prevendo despesas de 55 bilhões de euros – números vazados em jornais italianos – tenha provocado uma frustração generalizada tanto pelo atraso quanto pelo conteúdo.
As mulheres, que representam mais da metade dos médicos da linha de frente e três quartos das enfermeiras, sem mencionar a maioria dos caixas de supermercado e balconistas, foram excluídas das forças-tarefa que decidiram os planos. Somente depois que médicas, políticas e outras protestaram, o governo, nesta semana, incluiu mais mulheres.
Com as escolas fechadas até setembro e com vouchers insuficientes para babás, os pais que trabalham remotamente ou estão de volta ao escritório ou à fábrica estão em pé de guerra devido à falta de apoio.
A separação de quatro metros quadrados entre as pessoas necessária em restaurantes e cafés significa uma perda de negócios de 60%. “Estamos disponíveis há semanas para discutir mais espaços ao ar livre, distâncias razoáveis entre mesas, equipamentos de proteção individual e até barreiras entre uma mesa e outra”, diz em comunicado Aldo Crusano, vice-presidente da maior associação de varejo da Itália, a Fipe. “Mas o governo não pode pedir para mantermos quatro metros entre os clientes na mesma mesa. Isso significa restaurantes com apenas uma mesa.”
Os artesãos também ficaram frustrados com a falta de regulamentos claros que permitam que seus negócios, na maioria pequenos, sejam reabertos.
O artista especializado em quadros e vitrais Paolo, 42 anos, que dirige um pequeno negócio montado dentro de uma garagem convertida em Roma, diz que entende a lei do governo ordenando a suspensão do atendimento a clientes, mas se diz perplexo com o motivo pelo qual ele teve que fechar sua loja enquanto a oficina de bicicleta na mesma rua pode continuar aberta. “Nos últimos dois meses, recebi do governo 600 euros de complemento de renda”, diz ele. “Se eu tiver que fechar novamente, será para sempre.”
No entanto, ao lado, o pequeno vendedor familiar de frutas e legumes triplicou as vendas durante a quarentena. Estando entre as lojas autorizadas a ficar abertas, passou de várias dúzias de entregas em domicílio por dia para mais de 100. “Estou exausto”, diz o proprietário Angelo, 65 anos, enquanto, com a ajuda de dois funcionários do Sri Lanka, recolhe para dentro da venda vasos de alecrim, tomilho, manjericão e outras ervas alinhadas na calçada do lado de fora da loja no final de mais outro longo dia de trabalho.
De volta com uma vingança?
Qualquer tendência ascendente dependerá inteiramente de os italianos cumprirem o que o primeiro-ministro Giuseppe Conte chama de próxima fase de “coexistência com o vírus”.
Ao contrário de sua reputação de nem sempre seguirem com entusiasmo as regras, os italianos seguem, em sua maioria, diretrizes de distanciamento social e de uso de máscaras.
Ainda assim, Matteo Villa, pesquisador do Instituto Italiano de Estudos Políticos Internacionais de Milão, que publicou estudos sobre a disseminação do vírus na Itália, diz que o problema não é se, mas quando a taxa de infecção, agora abaixo de mil novos casos diários, vai subir novamente. “Não tenho ilusões de que o vírus não voltará a aparecer. A única questão é a velocidade com que ele voltará”, diz.
Ele acrescenta que o distanciamento social será crucial, especialmente nas regiões da Itália onde a epidemia teve o menor impacto, principalmente no centro e no sul da Itália. As regiões do norte da Itália sofreram o trauma de sirenes de ambulâncias tocando noite e dia, hospitais sobrecarregados e mortes de entes queridos. O resto da Itália não.
“O sul e o centro experimentaram isso apenas à distância. Meu medo é que aqueles que não experimentaram isso pessoalmente sejam menos cuidadosos na segunda fase”, afirma. “O sistema de saúde lá é mais frágil, e se eles experimentarem um crescimento de infecção, será muito perigoso”.
BSB TIMES